sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MG: MPF quer indenização de R$ 4,5 milhões para quilombolas

A Polícia Militar de Minas Gerais teria cometido uma série de ilegalidades e abusos contra três comunidades do norte do estado

Montes Claros. O Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Cultural Palmares ajuizaram ação civil pública para que o Estado de Minas Gerais seja condenado a pagar indenização por danos morais coletivos em virtude de arbitrariedades cometidas pela Polícia Militar mineira contra três comunidades quilombolas: Povo Gorutubano, Brejo dos Crioulos e Lapinha.

Em diversas operações da Polícia Militar, os integrantes das comunidades quilombolas foram, de forma ilegal, ameaçados, algemados e expostos a humilhações públicas. Houve caso em que até crianças de 4, 6 e 7 anos de idade foram detidas.

Em duas oportunidades, os policiais, fortemente armados, agiram a pedido de fazendeiros, sem qualquer ordem judicial que os amparasse. Nessas ocasiões, as ações policiais aconteceram sob o pretexto de desocupar terras invadidas pacificamente por famílias quilombolas.

Escravos fujões - No primeiro caso, ocorrido em 2006, 15 policiais, fortemente armados e sem mandado judicial, invadiram e destruíram acampamento montado por famílias gorutubanas, apreenderam suas ferramentas de trabalho, algemaram todos eles uns aos outros e conduziram-nos, presos - inclusive três crianças -, num percurso de 60 km, até o quartel da Polícia Militar da cidade de Porteirinha.

Lá chegando, os quilombolas foram mantidos ilegalmente presos e algemados, de pé, na porta do quartel, em pleno centro da cidade, ficando ali expostos por mais de três horas, “qual escravos fujões recém-capturados pelo capitão-do-mato", narra a ação.

Várias testemunhas contaram que, enquanto estavam ali, os fazendeiros que disputam terras com os quilombolas, passavam por eles a todo instante, fazendo escárnio, chacotas, proferindo palavras de ofensa e humilhação.

Para o procurador da República, “o que mais choca nos relatos é que, em pleno século XXI, cidadãos brasileiros foram tratados de fato como escravos rebeldes. A única diferença é que as grossas correntes foram substituídas por algemas. Mas a exposição pública, a humilhação, o desrespeito à dignidade humana, estavam todos lá”.

A prisão dos quilombolas não foi comunicada nem ao promotor de Justiça, nem ao juiz da cidade e eles só foram soltos após a chegada ao local do advogado da associação.

Esse é apenas um dos casos, talvez o mais cruel, narrados na ação, embora os abusos cometidos contra as comunidades de Brejo dos Crioulos e Lapinha também sejam de mesma natureza e igualmente chocantes.

Segundo os autores, os efeitos das operações militares, na verdade, não se restringem apenas às comunidades quilombolas diretamente ofendidas: “Esses efeitos espraiam-se, de maneira difusa, a todo o movimento quilombola, cujas comunidades ficam amedrontadas e temerosas de lutar por seus direitos, tendo em vista a violência das operações”.

Recomendação ao Comando-Geral - O MPF acredita que, “embora as condutas desviadas não constituam a tônica da Polícia Militar, não menos certo é que uma clara e firme orientação que parta do comando da instituição pode vir a impedir essas práticas”.

Com esse objetivo, expediu recomendação ao Comando-geral da PM para que instrua seus policiais a agirem dentro da legalidade (por exemplo, só ingressarem no interior dos territórios das comunidades munidos de mandado judicial) e sem qualquer abordagem de cunho coativo ou intimidatório. Foi recomendado ainda que os policiais não utilizem armamento pesado contra comunidades pacíficas, evitando-se qualquer ato que configure abuso de autoridade.

Para o procurador, “No ambiente democrático em que vivemos, essas atitudes policiais são absolutamente intoleráveis. A Polícia Militar não tem a prerrogativa de importunar os cidadãos, acusando-os sem prova e, pior, coagindo-os a prestar informações e ameaçando-os com represálias e retaliações, como aconteceu na operação realizada contra a Comunidade de Lapinha.“Ou alguém imagina a hipótese de a Polícia Militar invadir o gabinete de um prefeito ou deputado, e, diante de notícias de desvio de verbas públicas, acusá-los dos fatos e coagi-los a prestar informações e confessar. Ou que o mesmo se fizesse em relação a um rico empresário suspeito de sonegar tributos. É óbvio que semelhantes situações jamais ocorreriam, e isso deixa claro que a seletividade das operações policiais realizadas contra os quilombolas apenas reproduzem a histórica opressão às pessoas carentes e às comunidades tradicionais”, lamenta André Dias.

Direito preexistente - O MPF lembra que é a própria Constituição que assegura às comunidades quilombolas o direito de propriedade definitiva das terras por eles ocupadas. O problema é que a inércia do Poder Público tem postergado a realização dos processos administrativos de reconhecimento, delimitação e titulação definitiva dos territórios, o que dá causa a inúmeros conflitos com fazendeiros que, com o uso da força e intimidação, se estabelecem no local.“E o mais grave é que a titulação definitiva das terras tem natureza meramente declaratória, pois o direito preexiste a esse título ”, lembra o procurador da República.

“No entanto, o que vemos é que, 22 anos após a entrada em vigor da Constituição, pode-se contar nos dedos os processos de reconhecimento que foram concluídos. Essa situação seria um escândalo em qualquer sociedade, mas como se trata de cidadãos humildes, a quem comumente são negados serviços e condições básicas à sua sobrevivência, ninguém se importa. Pelo contrário, eles são freqüentemente expostos a intoleráveis humilhações e ofensas aos seus direitos fundamentais cometidas por fazendeiros e, o que é lamentável, também por agentes públicos”.

A ação pede que o valor da indenização, no valor mínimo de quatro milhões e meio de reais, seja revertido em favor das comunidades para o custeio das despesas dos respectivos processos de regularização fundiária.

Fonte: Assessoria de Comunicação Social/Ministério Público Federal em Minas Gerais
Comentários
0 Comentários

0 comentários: