Divulgo a seguir um documento dos quilombolas de Oriximiná, que em 1990 formalizaram uma denúncia contra os projetos na região dos rios Trombetas e Epepacurú, no Oeste do Pará. Na ocasião, sob o santo manto “ecológico”, grande empreendimentos se instalavam na região como mineradoras e hidroelétricas.
Passados quase vinte anos, o reconhecimento dos territórios de quilombolas ainda parece distante. Por outro lado, a extração de bauxita ganha a cada dia novas concessões. Ao mesmo tempo e com o mesmo discurso de “conservar a floresta”, milhares de hectares serão privatizados para madeireiros.
Segue o documento:
Documento da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná*
A floresta é vida. O rio é vida. O lago é vida. Nosso povo não pode sobreviver sem a terra Mãe. Sem a mãe Água. Nossa vida está ali. Nossos avós escolheram estes locais de liberdade. Foram sociedades alternativas. Deportados, ligaram sua vida à Amazônia. Longe da mãe África foram adotados pela Mãe Amazônia. Não como filhos bastardos, mas como filhos que se relacionam com a uma Mãe que tudo dá e a quem tudo se deva. Somos AMAZÔNIDAS.
Nós, netos e bisnetos, seguimos o exemplo de nossos avós. A Amazônia nós dá a VIDA. Gratuitamente recebemos o peixe, a carne, as frutas, a castanha, o remédio, o cipó, a madeira, a cobertura da casa, a parede da casa, o esteio da casa, a farinha.... Retribuímos com o respeito à vida, à MÃE TERRA.
No entanto somos agredidos neste equilíbrio. A ambição, o lucro, o capital se lançam com onças sobre o nosso povo.
Primeiro o Governo. Em 1979 (mil novecentos e setenta e nove) roubou parte das nossas terras, expulsou o nosso povo. Disse que ia fazer uma reserva biológica. Proteger a natureza. Chegou a polícia. Prazo de uma hora para sair. Casas e roças incendiadas. Fomos tratados como criminosos. No nosso tempo as tartarugas desovavam aos milhares. Hoje, com a dita proteção do IBAMA, não passa de umas centenas.
Por ironia, no mesmo ano, iniciou-se do outro lado a extração de bauxita pela MRN composta pelas seguintes empresas: Companhia Vale do Rio Doce, Grupo Votorantim (brasileiras), Alcan (Canadá), Reynolds (EUA), Norks Hydro (Noruega), Shell-Billinton (Holanda). Mais uma vez fomos expulsos de nossas terras. Perguntamos: Para que serve a reserva? Para proteger a natureza ou a mineradora? Nossos lagos e rios poluídos, nossa matas destruídas. Nossa Cultura devastada e desvalorizada.
Pouca terra nos resta. E aí querem fazer uma floresta nacional, ou seja, uma reserva mineral das mineradoras. E, finalmente a ALCOA (EUA) quer implantar em nossas terras mais um projeto minerador. Para onde vamos?
NÃO QUEREMOS MAIS PROJETOS. QUEREMOS SER RECONHECIDOS COMO POVO. QUEREMOS QUE SE CUMPRA O ARTIGO 68 DAS LEIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: DEMARCAÇÃO COMUNITÁRIA DE MATAS E LAGOS QUE COMO QUILOMBOS TRADICIONALMENTE SEMPRE OCUPAMOS.
Não queremos hidrelétricas estatais ou particulares em nossas terras. Não queremos mais estudos ou pesquisas em nossas terras.
Queremos viver em paz: criar nossos filhos, plantar nossa roça, colher os frutos da natureza, preservar nossa cultura, nossos cantos, nossas danças, nossa medicina. Redescobrir nossa história de luta e sofrimento, de algemas e ferros, de liberdade conquistada com sangue e lágrimas. Somos e queremos continuar sendo amazônidas. Temos orgulho de ser negros!
Viemos aqui neste tribunal. Não fomos convidados; viemos com dinheiro nosso, na marra. Num tribunal sobre os povos da Amazônia, não fomos convidados. Continuamos discriminados. Muitos organizadores conhecem nossa história, nosso povo, nossas lutas. Por que fomos esquecidos?
Até agora neste tribunal não se fez uma referencia aos negros. Somos companheiros. Vivemos da floreta, somos na floresta, somos um povo amazônida, forte e corajoso.
PELA VIDA E CONTRA OS PROJETOS DE MORTE, MUITO AXÉ!
PELOS NEGROS DE ORIXIMINÁ
OUTUBRO DE 1990.
*Apresentado ao Tribunal dos Povos Lélio Basso, Paris, outubro de 1990.
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