No último dia 29 de julho o jornal “O Estado de São Paulo” produziu editorial chamado A Universidade do MST, no qual faz duras críticas ao processo de profissionalização técnica de militantes deste movimento. Não é de hoje que este jornal opta por uma linha editorial conservadora. Neste editorial é possível encontrar pelos menos três argumentos que são verdadeiras aberrações.
Aberração 01:
“Embora seja uma entidade que não tem existência legal - o Movimento dos Sem-Terra (MST) continua recebendo cada vez mais recursos do governo para a formação de assentados. (...)Mas a transferência de verbas públicas para entidades sem personalidade jurídica, como o MST, gerirem programas educacionais de nível superior, exclusivos para seus integrantes, é uma aberração.”
Um dos maiores pseudo-argumentos contrários ao MST é o fato do mesmo não possuir uma personalidade jurídica definida, algo do tipo associação,cooperativa, partido político, sindicato ou ONG. É óbvio que um dos motivos do “sucessos” deste movimento é esta ausência de personalidade jurídica, pois isto serve aos objetivos do movimento. Isso nada tem de ilegal. Ou seriam ilegais a Igreja católica (que não tem CNPJ), a maçonaria, os grupos informais de leitura, etc.? A livre organização é um direito assegurado por lei e a forma de se organizar cabe a quem está na organização e não ao Estado. De qualquer forma, o recebimento de verbas do Estado pelo MST se dar através de entidades ligadas ao movimento, como associações e cooperativas, de forma legal. O que deveria ser pensado pelo MST é se este vínculo com o Estado não gera perda de autonomia ao movimento, ao mesmo tempo em que materialmente o afasta da manutenção financeira pela sua base, uma questão das mais profundas, que passa longe do argumentos levantados pela Estadão. Quanto à suposta aberração de curso exclusivos, o artigo se esquece dos milhões de reais transferidos para a Confederação Nacional da Agricultura via SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) para programas educacionais de qualidade duvidosa.
Aberração 02:
“Esses estudantes não enfrentam os vestibulares comuns. Não ingressam no ensino universitário por mérito, mas por indicação. E têm um calendário escolar diferenciado, que lhes permite conciliar atividades acadêmicas com atividades no campo. A maioria também conta com alojamentos especiais e uma ajuda de custo mensal de R$ 300. Têm privilégios que os outros brasileiros, ricos ou pobres, não têm - simplesmente porque estão alistados no MST.”
Em poucos palavras o artigo consegue inverter a lógica das necessidades estudantis. Praticamente todas as Universidades Públicas brasileiras (e não é de agora) possui programas assistenciais para estudantes carentes: alojamentos, restaurantes, bolsas, etc. A Política de Assistência Estudantil só não é melhor por falta de verbas, insuficiente para atender até mesmo a demanda dos (poucos) estudantes de baixa renda que adentram na Universidade. Pela lógica da Estadão, para solucionar o problema, os poucos que acessam a essa política devem perder o “privilégio” de ganhar 300,00 reais por mês. A luta por mais verbas para assistência estudantil e o fim do vestibular são bandeiras históricas do Movimento Estudantil. O regime de alternância para escolas do campo foi prevista até mesmo na conservadora Lei de Diretrizes de Base de 1996.
Aberração 03:
“Esquece-se que o agronegócio, principalmente no Sul do País, é baseado na pequena propriedade que obtém altos índices de produtividade porque conta com a assistência de técnicos formados nas escolas tradicionais”.
As áreas de até 200 hectares no Brasil são 91,9% de todos os imóveis rurais cadastrados no Incra. Elas ocupam cerca de 30% de área. Já as áreas acima de 2000 hectares são apenas 0,8% dos imóveis e ocupam pouco mais de 31% de área, o que demonstra uma das maiores concentrações fundiárias do mundo (Dados do Incra). Mas a despeito disto, 86,6% dos empregos agrícolas estão nos pequenos estabelecimentos agrícolas e somente 2,5% nos grandes (Dados do IBGE), apesar deste setor concentrar o maior montante dos financiamentos agrícolas, ter constantemente suas dívidas abatidas e prolongadas e volume de recursos para acessar a mais alta tecnologia e assessoria técnica qualificada. Na pecuária, as pequenas propriedades concentram 37,7% do rebanho bovino (outros 40,5% estão nas médias); 59,2% dos equinos; 78,1% dos caprinos; 87,1% dos suínos e 87,7% das aves. A produçaõ agrícola das principais culturas temporárias estão nos pequenos estabelecimentos: 55,1% do algodão herbáceo; 38,9% do arroz em casca; 76,7% da batata inglesa; 60,6% do trigo em grãos; 76,4% do tomate; 54,4% do milho; 78,5% do feijão; 99,5% do fumo. As exceções são a soja e a cana-de-açucar que predominam não nos grandes, mas nos estabelecimentos de tamanho médio (entre 200 e 2000 hectares). Já as lavouras permanentes como banana, cacau, coco, maçã, café, guaraná, pimenta-do-reino e uva possuem faixas que variam de 75 a 97% de volume de produção nos pequenos estabelecimentos, faixas que também se repetem no extrativismo (borracha, castanhas, erva-mate). As grandes propriedades no Brasil só ganham em volume de produçao nas atividades de silvicultura (carvão vegetal, madeira em tora e madeira para papel), com enormes danos ambientais. Confudir pequena agricultura, mesmo que integrada, com o agronegócio é na verdade um jogo de cena para disfarçar o tripé de sustentação deste modelo que é a alta tecnologia, os grandes imóveis e a concentração de renda.
Leia A Universidade do MST
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