sexta-feira, 18 de julho de 2008

MP 422: Senado legaliza grilagem na Amazônia

Grandes propriedades de terra ocupadas por grileiros serão legalizadas. Greenpeace deve entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF

Mayrá Lima
de Brasília (DF)

Agora só depende de sanção presidencial para se aprovar o que os ambientalistas sustentam ser a legalização da grilagem de terras públicas na Amazônia. O Projeto de Lei de Conversão 16/2008, mais conhecido como Medida Provisória (MP) 422, que aumenta o limite da área que pode ser concedida pela União para uso rural sem processo de licitação, na Amazônia Legal, foi aprovada sem alterações pelo Senado Federal. A votação, ocorrida, dia 9 de julho, foi, no mínimo confusa, e não se sabia quem era base e quem era oposição.

Com a aprovação da MP 422- por 37 votos a favor, 23 contra e três abstenções- a área passível de regularização sem licitação passa de 500 para 1500 hectares. Ou seja, áreas já consideradas como grandes propriedades pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) poderão ser concedidas aos atuais ocupantes, incluindo tudo o que foi desmatado de Floresta Amazônica.

Ação de inconstitucionalidade
No entanto, o Greenpeace promete brigar para que o projeto não seja sancionado. A entidade ambientalista declarou que irá entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Medida Provisória no Supremo Tribunal Federal (STF). “Quando se faz uma medida provisória, um dos questionamentos é o fato de que ela tem que se relacionar com um assunto inadiável e urgente, o que não pode ser tratado no âmbito de um projeto de lei”, explica o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão. Segundo ele, “a MP 422 não tem nada de urgente, porque que não há nenhum fato específico que justifique o governo ter que conceder estes títulos, a não ser a pressa dos ruralistas em obter estas terras, o que não é uma pressa do país”.

Outro argumento utilizado pelo ambientalista é a ofensa à preservação do patrimônio público e ambiental, assegurados na Constituição de 1988. “Não existem estudos de impacto ambiental, não houve audiências públicas. Só em Santarém (PA), há oito mil títulos esperando expedição. São quase 60 milhões de hectares grilados a serem regularizados” reclama Leitão.

Articulação ruralista
Os últimos dados oficiais disponibilizados pelo Incra mostram que a Amazônia Legal possui, até 2003, um pouco mais de 293 mil imóveis passíveis de regularização. A MP, no entanto, só beneficia as áreas que possuem até 100 módulos fiscais. Através do cruzamento de dados, verifica-se que 39% da área dos municípios da Amazônia Legal entram no bojo da Medida.

De acordo com o professor titular de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, a maioria destes municípios estão localizados nos estados do Amazonas, Acre, Roraima, Mato Grosso e Pará. “Estes estados estão repletos de casos de grilagem de terras.

A mudança permite ainda que o grileiro tenha prioridade no ato de adquirir estas terras. Quem tem um grilo de 2500 hectares, basta dividir o título para duas pessoas diferentes. Eles colocam o título da terra em nome de laranjas, e assim eles regularizarão o quanto eles quiserem.”, avalia Umbelino.

Terras griladas
Ao analisar os números que registram o quanto já se foi destinado para projetos de Colonização e Reforma Agrária na Amazônia Legal até o ano de 2003, verifica-se que apenas 37,9 milhões de hectares dos 105,7 milhões foram arrecadados pelo Incra. São justamente os 67,8 milhões que estão em nome da União que sempre estiveram em jogo, seja para regularização da grilagem, seja para a Reforma Agrária.

“Há uma articulação para a regularização de terras griladas. Ainda em 2005, através da lei 11196/05, o Incra já pode destinar terras de até 500 hectares sem licitação, quando a Constituição manda que seja somente até 100 hectares. Mais uma vez, uma Medida Provisória aumenta o que a Constituição definiu. Nem os militares fizeram isso”, afirma Umbelino, que também é diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária.

Impacto ambiental
Impacto A Medida é a cópia fiel do Projeto de Lei 2278/07 do deputado Asdrúbal Bendes (PMDB/PA) e foi aprovada sem estudos de impacto ambiental. Foram 37 votos favoráveis, 23 contrários e 3 abstenções. Destes votos, oito petistas (dos 12 senadores) se colocaram contra a proposta do próprio Governo Lula. Ficou a cargo do PMDB e dos Democratas (DEM) a aprovação da matéria.

Durante o debate da matéria, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (PT/AC) chegou a afirmar que a aprovação da MP poderia promover a privatização de florestas públicas e a regularização de terras que foram griladas no passado. Sugeriu ainda, uma emenda que excluía da medida as áreas que fazem parte do Cadastro Nacional de Florestas Públicas, mas sua sugestão foi derrubada pelo líder do Governo, senador Romero Jucá (PMDB/RR).

Defesa da grilagem
Jucá fez clara defesa da titularidade dos que grilaram terras na área da Amazônia. Ele reclamou que a maioria das terras do Estado de Roraima pertencem à União, o que prejudicaria os produtores. “Vamos permitir que o Incra, na Amazônia Legal, tenha a faculdade, que não é obrigatório, de legalizar terras de até 1.500 hectares. A Constituição permite até 2.500 hectares. Baixamos para 1.500”, justificou Jucá à senadora Marina Silva.

Outro acreano, senador Geraldo Mesquita (PMDB/AC) lembrou que 1500 hectares não é o padrão de pequenas propriedades na região. “Isso vai dizer respeito a uma pequena minoria que, quem sabe, ocupou essas terras irregularmente e agora quer a sua regularização na marra. A agricultura familiar passa longe dessa quantidade de terra que está sendo liberada”, afirmou. Por outro lado, os Democratas (DEM), que normalmente faz ferrenha oposição ao Planalto, garantiu que seus nove senadores fossem favoráveis à matéria. O PMDB com seus 14 senadores, apenas 3 rejeitaram a medida.

Para entender:
Módulo Fiscal- É a unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando tipo de exploração predominante no município, Renda obtida com a exploração predominante, outras explorações existentes no município que sejam significativas em função da renda ou da área utilizada e o conceito de propriedade familiar.

Imóveis Passíveis de regularização na Amazônia Legal, segundo o Incra:
Total: 293 mil e 446 imóveis
-Minifúndios (menor que 1 Módulo Fiscal) - 199 mil e 600/ 7,5 milhões de hectares da Amazônia Legal
-Pequena Propriedade (1 a 4 Módulos Fiscais)- 79 mil e 499 / 9,6 milhões de hectares da Amazônia Legal
-Média Propriedade (até 15 Módulos Fiscais)- 14 mil e 347 / 11,1 milhões de hectares da Amazônia Legal


Fonte: Brasil de Fato
Comentários
0 Comentários

0 comentários: