A CPT Santarém vem, por este meio, se posicionar contra a execução do programa do governo TERRA LEGAL já que reconhece que ele possibilita a regularização da grilagem da terra pública na Amazônia legal e a concentração de terras na região. Além disso o país já possui instrumentos legais que permitem a legitimação da pose segundo os princípios vigentes. O TERRA LEGAL na verdade vai garantir o direito de preferência para alienação para os atuais grileiros ocupantes das terras públicas e acelerar o desmatamento e a concentração de terras para o agronegócio.
A CPT considera que o governo deveria abandonar este programa e continuar na região com a reforma agrária, a criação de unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
A posição da CPT está baseada nos seguintes elementos:
1. Embora o governo dê destaque para o grande número de pequenos posseiros a serem beneficiados, um número reduzido de posses (6,6%) reúne quase 73% das terras da região. Elas também poderão ser regularizadas mediante a divisão dos imóveis entre familiares e laranjas. O fraccionamento dos imóveis entre familiares será permitido pelo programa.
2. O governo vai permitir transferência da posse do imóvel em período posterior, desde que a terra tenha sido desmatada até 2004, conforme imagens dos satélites do INPE. Assim a posse pode dar-se por meio de “antecessores” (desmatadores) e ser regularizada, driblando a data de 1º de Dezembro de 2004, data limite da ocupação, segundo a lei. O próprio coordenador do Terra legal numa entrevista à FOLHA afirma: “se criarmos muitas restrições não conseguimos trazer os ocupantes da terra pública para a legalidade”.
3. O IMAZON detetou a retomada da devastação na Amazônia nos últimos meses e o próprio instituto reconhece que isto acontece devido a dois fatores: afrouxamento nas medidas de controle do governo e um surto de grilagem que explodiu a partir de 2009 na região devido à medida provisória 458 e ao programa de regularização fundiária do governo. O próprio IMAZON reconhece que áreas que não têm forte atividade agropecuária, como Mato Grosso e Sul do Pará, aparecem com tendência ao desmatamento. A BR 163 e sul do Amazonas considerados até à pouco fechados ao desmatamento desenfreado por conta das unidades de conservação, são agora pontos quentes do desmatamento, afirma o IMAZON. Gilberto Câmara, diretor do INPE afirma que no Oeste do Pará o desmate saiu do controle.
Dados deste instituto revelam que em Janeiro de 2010 foram registrados 63 Km quadrados de desmatamento o que representou um aumento de 26% em relação a Janeiro de 2009.
Claudio Angelo da Folha de São Paulo afirma: “ No Oeste do Pará o fantasma daMarina Silva volta para puxar o pé de Minc e de seu chefe, o presidente Lula. À frente do ministério, Marina criou unidades de conservação no arco da grilagem do Oeste paraense e no Sul do Amazonas. Lula não só não tirou esses parques do papel como armou a bomba relógio da MP 458, que ameaça estourar em seu colo em 2010.” (eco debate 03/09/2009.).
4. A devastação da região também se deve a outros fatores e um deles é a licitação de florestas públicas no Pará, lugar onde campeia a extração ilegal de madeira. A licitação de florestas é um caminho altamente pernicioso para os interesses das comunidades locais e para a sobrevivência da biodiversidade na região.
5. Com o Terra legal o Governo Federal abandona definitivamente o programa de reforma agrária na região e nivela posseiros e grileiros em áreas marcadas por conflitos e desmatamento. Na verdade o programa legaliza a grilagem. Esta foi a conclusão do debate promovido pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) na universidade de São Paulo. Na verdade a lei dá preferência ao grileiro e lhe dá um prémio pelo desmatamento e a ocupação fraudulenta e será, como diz Plínio de Arruda Sampaio, presidente da ABRA, “uma ampla lavagem dos títulos de posse e uma manobra para depois vender terras legalizadas para os grandes do agronegócio com título de posse perfeito e chancelado pelo Estado brasileiro.
Segundo José Vaz Parente, diretor da Confederação Nacional das associações dos servidores do INCRA (Cnasi), a MP458 agora rompe com uma prática histórica: “no Incra , a regularização fundiária sempre foi entendida como uma ação complementar à reforma agrária. Essa MP rompe com esta lógica. O que está em discussão é a manutenção do modelo convencional excludente socialmente e sua expansão e consolidação.”
João Paulo Rodrigues, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirma que a MP "coroa" o modelo de desenvolvimento agrícola apresentado pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e que, na visão do MST, não foi alterado no período Lula. "A MP complementa a lógica do que tem que avançar na Amazônia é o agronegócio, com criação de boi, eucalipto e soja".
O governo Lula, na avaliação de Ariovaldo Umbelino professor da USP, concentrou a maior parte dos esforços na regularização fundiária em detrimento da reforma agrária.
"Já havia uma clara determinação de só fazer reforma agrária sob pressão", continua o professor da USP. A maioria dos assentamentos criados por esta gestão situa-se na Amazônia Legal.
O geógrafo afirma que uma parte das terras do Incra no Mato Grosso já está sob controle do agronegócio. "Por que o governo não pede a reintegração de posse de todas as terras do Incra?", questiona. "O governo fez opção preferencial pelo agronegócio. A reforma agrária passou a ser secundária".
6. A CPT considera que o governo deveria abandonar este programa e continuar na região com a reforma agrária, a criação de unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
Para o professor professor titular de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP) Ariovaldo Umbelino que condenou a MP 422 (oficializada na Lei 11.763/2008), a legalização da venda sem licitação de terras públicas de até 15 módulos fiscais para agentes privados "é uma afronta aos princípios constitucionais e ao patrimônio público". Segundo ele, os 67 milhões de hectares arrecadados pela União na Amazônia deveriam ser reservadas para a reforma agrária, a criação de unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
A grilagem das terras públicas da Amazônia, analisa Ariovaldo, "sempre veio alimentada pelas políticas públicas dos diferentes governos nos últimos 50 anos". Para ele, porém, a partir da Constituição de 1988 (que passou a exigir que a destinação de terras públicas seja compatibilizada com o plano nacional de reforma agrária), outra forma de "grilagem legalizada" passou a ser adotada, com colaboração da "banda podre" de funcionários públicos do Incra e de institutos estaduais de terra da região.
Munidos de informações sobre as áreas devolutas, esse grupo passou, de acordo com artigo do professor da USP, "a ´oferecer´ e ´reservar´ as terras públicas do Incra para os grileiros e indicar o caminho ´legal´ para obtê-las". "A denúncia destes fatos, já levou a Polícia Federal a fazer a Operação Faroeste no Pará e o Ministério Público Federal mover ação para cancelar os ´assentamentos da reforma agrária laranja´ da regional do Incra de Santarém (PA). O motivo é sempre o mesmo: a tentativa de ´oficializar´ a grilagem das terras públicas", prossegue Ariovaldo.
7. O próprio ministério público já alertou para o problema que o terra legal pode causar à reforma agrária na região e aos interesses das comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas.
O Ministério Público Federal, através dos procuradores da República Marcel Brugnera Mesquita e Daniel César Azeredo Avelino, encaminhou notificação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) informando que pode ir à Justiça caso o MDA mantenha a intenção de não realizar vistorias em áreas a serem regularizadas pelo programa Terra Legal. O MPF adverte que a ausência das vistorias pode prejudicar interesses de comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais.
A recomendação cita estudo feito pelo analista pericial em antropologia do MPF Raphael Frederico Acioli Moreira da Silva. Analisando a situação de comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais no Pará cujo território é ameaçado pelo programa Terra Legal, o antropólogo conclui que “a escassez de informações [sobre essas comunidades] deve ser entendida como um alerta para a diversidade de situações de ameaças que pairam sobre os territórios e modos de vida desses grupos, que nos últimos anos têm lutado contra a invisibilidade pública de suas trajetórias como formadores da sociedade brasileira.”
8. A CPT registrou, em 2009, 528 ocorrências de con¬flitos de terra, 45 conflitos em torno de recursos hí¬dricos. Destes, 151 conflitos por terra, 16 conflitos por água e 115 casos de violência envolveram indí¬genas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, que¬bradeiras de coco babaçu, pescadores e membros de fundos de pasto. Estes dados contribuem para reforçar o quanto as práticas de uso comum dos re¬cursos naturais acham-se disseminadas na vida social brasileira e tem efeitos pertinentes sobre a sua estrutura agrária, afirma o antropólogo Alfredo Wagner. E o antropólogo continua: “as iniciativas governamentais entendem a regularização fundiária tão somente como titulação de parcelas ou lotes individuais, imaginando que imaginando que apenas o processo de privatização de terras públicas intensificará a incorporação de novas tecnologias e dinamizará as transações no mercado de terras. Para esta imaginação burocrá¬tica, as práticas de uso comum seriam vestígios de um passado a ser superado, ou seja, seriam práti¬cas “rudimentares e primitivas”, características de “economias arcaicas”, marcadas por “irracionalida¬des”, que se contrapõem ao desenvolvimento tec¬nológico. O escopo desta interpretação consistiria em aplicar mecanicamente os conceitos jurídicos de propriedade, de contrato3 e “pessoa moral”, como diria Meillassoux (1980:10), sobre o estoque de terras para legalizar atos de compra e venda, le¬gitimando, assim, o processo de concentração fun¬diária. Nesta dinâmica, fundada nos princípios do liberalismo econômico, as razões burocráticas me¬nosprezam inteiramente fatores étnicos, de paren¬tesco e/ou culturais, representando-os como meras “sobrevivências” de “comunidades primitivas”, ou como elementos residuais abrigados sob uma clas¬sificação de “tradicional”, isto é, uma determinada situação social que, embora tenha sobrevivido às mudanças, estaria, do ponto de vista evolucionista, em vias de extinção. “(In: Povos e comunidades tradicionais atingidos por conflitos de terra e atos de violêrncia – Cadernos de conflitos CPT 2009). Alfredo Wagner defende que as comunidades são capazes de gerir recursos em comum, de forma mais sustentável do que o Estado ou os proprietários privados.
Durante todos estes anos de serviço prestados a camponeses e populações tradicionais no baixo Amazonas, a CPT tem observado um grande aumento de conflitos provocados pela grilagem e concentração de terras, tanto em terra federais como estaduais. O descalabro provocado com a grilagem de terras em nossa região com a venda de terras públicas motivada pelo mercado da soja que deflagrou na operação FAROESTE em 2004 (que até hoje não foi solucionada) é um claro exemplo de medidas ilegais para controlar as terras na região.
O Zoneamento Econômico Ecológico do Estado do Pará e várias outras tentativas de aumentar as áreas de desmatamento, como a diminuição da reserva legal, por exemplo, são medidas claras de incentivo a monocultivos. Outra ameaça que este programa acarreta é a possibilidade de legalizar grandes propriedades em áreas de várzea.
Portanto, não podemos aceitar que instrumentos como o Programa Terra Legal e a lei de alienação de terras públicas do estado sejam efetivados para acirrar ainda mais os conflitos no campo que todos os anos são denunciados pela CPT e outras organizações representantes dos trabalhadores rurais e populações tradicionais.
CPT Santarém
13 de Junho de 2010
segunda-feira, 21 de junho de 2010
CPT-Santarém: Carta aberta sobre o Programa Terra Legal
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Postado por
Cândido Cunha
às
21.6.10
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