terça-feira, 22 de junho de 2010

08. Reflexões Críticas

ter, 15/06/2010 - 12:25

Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos - SPI

Pode-se afirmar que, até o momento, não se conseguiu realizar a reforma agrária, de fato. Os governos que se seguiram à democratização no país avançaram nos gastos com a política, promoveram assentamentos e desapropriaram terras, mas não lograram alterar a estrutura fundiária extremamente concentradora, abrindo caminho para a superação dos problemas que dela decorrem. Nem mesmo conseguiram conferir qualidade aos assentamentos já existentes, garantindo educação, assistência técnica, qualificação, infraestrutura, crédito e outros serviços.

Vale lembrar que, após o último PNRA, finalizado há três anos, não se construiu um plano sucessor, nem foram traçadas metas para a reforma agrária para o período do PPA 2008-2011.

Um dos pontos-chave para o avanço da desconcentração de terras é a atualização dos índices de produtividade, que abriria a possibilidade da desapropriação de imóveis considerados improdutivos e que não cumprem, portanto, sua função social, e a transferência de parcelas de terras para o público demandante, contribuindo para elevar o número de assentados.

Do ponto de vista legal, além da mudança dos índices de produtividade, é central aprovar norma para restringir a desnacionalização do espaço fundiário brasileiro. A transparência em torno de quem são os proprietários estrangeiros de terra e dos seus limites fundiários é de extrema importância para a soberania alimentar e para a viabilidade de políticas agrícolas voltadas ao abastecimento interno. Outra norma cuja aprovação constituiria grande avanço para a promoção da cidadania seria a PEC que prevê a destinação para reforma agrária de terras nas quais seja encontrado trabalho escravo.

Outro ponto é que já está claro, hoje, que não basta assentar as famílias sem terra ou com acesso precário a ela. É preciso dar as condições para que essas famílias possam, com base no seu trabalho, produzir, se inserir no mercado local, acessar bens e serviços públicos e, consequentemente, melhorar suas condições de vida. E, ao melhorar a condição e a qualidade de vida, consegue-se manter essas famílias no campo, reduzindo o êxodo rural e diminuindo a pressão sobre o emprego e serviços nas cidades.

Apesar de todos os esforços de programas como o Pronera e o Crédito-instalação e as ações do programa de Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assentamento, percebe-se que, de maneira geral, a qualidade dos assentamentos é muito baixa. Apesar de passarem a ter acesso a terra e a alguns serviços, a qualidade de vida dessas populações permanece muitas vezes a mesma que era antes de terem sido assentadas (Sparovek, 2003).

Apesar de a agricultura familiar ser responsável por 38% do valor bruto da produção agropecuária e ser a principal fornecedora de alimentos básicos para a população brasileira, segundo os dados do Censo Agropecuário 2006, o cultivo e a comercialização de matérias-primas, de gêneros alimentares e de produtos com baixo valor agregado, por parte dos assentados, não logrará transformar a realidade da pobreza do campo. Nesse sentido, faz-se fundamental o apoio do Estado para a construção de uma agroindústria baseada nas pequenas propriedades familiares e calcada no cooperativismo.

O MDA, no âmbito do Pronaf, já possui um programa específico para a agroindústria familiar, com linhas de ação definidas que englobam desde a disponibilização de crédito até o apoio na divulgação dos produtos. A concretização da agroindustrialização de pequeno porte depende, em grande medida, do apoio de programas federais mais incisivos, com a oferta de crédito barato e em escala, oferecido, por exemplo, pelo BNDES, em conjunto com ações de suporte ao cooperativismo e associativismo. Programas estaduais e municipais devem se somar a essas iniciativas, a serem traduzidas num conjunto de ações e serviços públicos para o setor (Prezzoto, 2002).

Percebe-se que o apoio prestado por meio dos programas e ações disponíveis não consegue ter o impacto de elevação da renda, para os agricultores mais frágeis, que têm as atuais políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O Nordeste, por exemplo, registrou, no período de 2001 a 2004, estagnação em quase todas as fontes de renda para as categorias ocupacionais compatíveis com a agricultura familiar, com exceção da fonte de renda na qual se insere justamente a transferência por meio do Bolsa Família (Schneider, 2006).

Tal situação pode ter sido alterada nos últimos anos com o fortalecimento de políticas voltadas à agricultura familiar, mas ainda há grande peso das políticas sociais para parte deste público, o que se expressa, por exemplo, no fato de que parcela significativa dos que estão no Pronaf A integram o Bolsa Família.

Os assentamentos devem ser sustentáveis também sob o ponto de vista ambiental. Tal reflexão importa sobretudo pelo papel que a Amazônia tem tido enquanto espaço de criação de novos assentamentos. Estes podem ter papel essencial na preservação de recursos naturais e na recuperação de áreas degradadas, desde que fomentados com maior ênfase projetos alternativos de assentamentos, como os agroflorestais e os extrativistas.

Outra questão fundamental é o papel da pluriatividade para o desenvolvimento rural. Inserida num contexto de superação da dicotomia rural-urbano bem como da superação do paradigma da modernização técnico-produtiva da agricultura, a promoção da pluriatividade pelo Estado coloca-se como saída possível para superar as desigualdades do campo por meio da "promoção de estratégias sustentáveis de diversificação dos modos de vida das famílias rurais" (Schneider, 2006).

Ao apoiar atividades não-agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer bem como a atividades industriais e de prestação de serviços, o Estado estará contribuindo para a geração de emprego, renda, participação social e cidadania no campo.

O desafio reside, ainda, na busca da promoção de uma reforma agrária sob a perspectiva do desenvolvimento territorial, com vistas ao fortalecimento do capital social dos territórios. Nas palavras de Abramovay (2000, citado por Miralha, 2008): O próprio crescimento urbano recente aumenta a demanda por novos produtos e novos serviços vindos do meio rural. O desafio consiste em dotar as populações vivendo nas áreas rurais das prerrogativas necessárias a que sejam elas os protagonistas centrais da construção dos novos territórios.

Outro ponto em que a ação do Estado é importante se refere à assistência técnica e extensão rural - Ater. Uma rede consolidada e estruturada de Ater contribui para o fortalecimento de agroindústrias incipientes e daquelas que se pretenda apoiar, uma vez que fornece desentraves aos problemas de gestão, elaboração de projetos e comercialização, que são característicos da agricultura familiar atual.

A partir de 1990, as atividades de extensão ficaram à deriva nos estados (Callou, 2007), após a extinção, por parte do governo Fernando Collor de Mello, do sistema Embrater. Desde meados dos anos 2000, atividades de Ater vêm sendo executadas pelo governo federal em parceria com as Emater bem como com organizações da sociedade civil, numa tentativa de reconstrução do sistema que se perdeu nos anos 1990, mas que se mostram insuficientes. A Lei Geral de Ater simplificará a execução da assistência técnica, por meio de chamadas públicas.

Há que se considerar, especificamente, o papel da educação e do fortalecimento das ações do Programa de Educação no Campo, promovido pelo MDA. Mais de 30% dos trabalhadores rurais são analfabetos e cerca de 70% não terminaram o ensino fundamental. Essa constatação reforça a necessidade de se ter um olhar cuidadoso sobre o tema no contexto da superação da pobreza no meio rural.

Os estudos feitos sobre os assentamentos são, de modo geral, específicos. Não existe, portanto, uma cultura de avaliação que se proponha a testar os reais efeitos da política como um todo e que levem em conta as especificidades de cada região (Abramovay, 2005). Isso é uma grave deficiência, ainda mais num contexto de discussão sobre a atualidade da reforma agrária e sobre o potencial de impacto dessa política no desenvolvimento rural.

Por fim, as reflexões aqui expostas apontam para um problema estrutural da sociedade brasileira como a concentração de terras, que assegura a atualidade do tema da reforma agrária. Porém, esta deve ser pensada sob uma perspectiva diferente daquela que vigorava na década de 1960 (atrelada exclusivamente às razões econômicas), incorporando as potencialidades do rural (para além do agrícola) e toda a sua diversidade, que inclui não apenas os com-terra e os sem-terra, mas também as relações entre preservação do meio ambiente e geração de ocupações, bem como os modos de vida das comunidades específicas, como quilombolas, extrativistas, pescadores etc. que demandam políticas próprias.
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