O povo mais antigo gostava de dizer que nem tudo que brilha é ouro e nem tudo que balança cai. O Brasil é elogiado como país das mais bem acabadas leis ambientais do planeta. O grave problema é a falta de ética no cumprimento das leis. Na Amazônia, tal situação se torna ainda mais grave, pelo fato de ser uma região altamente sensível nas questões ambientais e sociais. Abrir uma estrada, um oleoduto, construir uma hidroelétrica, permitir monocultivo de soja, enfim, causa impactos irreversíveis ao ecossistema da região.
Tome-se um caso exemplar disto.
Quando a multinacional Cargill começou a destruir a praia da Vera Paz, em frente a cidade de Santarém, no início do ano 2.000, se baseava numa licença ilegal liberada pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, antiga Sectam, hoje Sema. Logo foi denunciada a ilegalidade ao Ministério Público Federal, MPF, que abriu processo na justiça federal. Era ilegal a falta de um estudo prévio de impacto ambiental e seu relatório, o EIA-RIMA.
A multinacional não se importou com o processo e levou adiante a destruição da praia, do sítio arqueológico e construiu o porto. Foi condenada pela justiça federal, recorreu a tantas liminares quantas possíveis e continua recorrendo, mas sub-júdice. Em 2006, foi condenada por grupo de 3 desembargadores em Brasília, mas de um modo esdrúxulo. Deveria mandar realizar um EIA- RIMA, mas podia continuar com o porto funcionando, o que faz até hoje.
Em 2009 a empresa contratada realizou um estudo de impactos ambientais e seu relatório, mas foi rejeitado pela Secretaria de Meio Ambiente, SEMA, por falta de mais informações necessárias exigidas pelo termo de referência. A Cargill foi obrigada a mandar realizar novo estudo de impacto ambiental, que será levado a julgamento da sociedade civil e dos Ministérios Públicos Federal (MPF) e Estadual (MPE) no próximo dia 14 de julho.
Nestes dias, o MPE convidou grupos interessados em participar num seminário de análise do RIMA novo. O motivo é que se conheça o relatório e suas irregularidades para serem apresentadas no dia da audiência pública do dia 14. Mesmo com um segundo EIA-RIMA, tudo indica que os impactos da presença da multinacional na frente da cidade de Santarém são irreversíveis. Resta saber se a lei será cumprida, isto é, se caso as análises confirmarem o desastre sócio ambiental deste porto implantado em frente à cidade, se a empresa será obrigada a retirar seu porto para outra região menos impactante.
O Plano Diretor do Município prevê a zona portuária de grande porte à montante do rio Tapajós, fora da cidade. A dúvida é, será que a justiça terá força para respeitar a dignidade da população de Santarém? Terá coragem para ordenar a empresa a retirar o porto da frente da cidade, caso os impactos sócio ambientais sejam provados irreversíveis? Uma questão interessante a se aguardar.
*Pároco diocesano e Coordenador da Rádio Rural AM de Santarém. Editorial de 26 de junho de 2010.