Em 43 páginas de um relatório dedicado "aos agricultores brasileiros", Aldo Rebelo martela uma só mensagem: a proteção ambiental é uma invenção dos "estrangeiros" para condenar o Terceiro Mundo à pobreza.
O nacionalismo do deputado do PC do B era a base intelectual que faltava à bancada ruralista para emplacar a "flexibilização" do código florestal. Bons de pressão, mas ruins de ideologia, os ruralistas tentam há quase uma década mudar a lei florestal.
Político experiente e de base urbana, Aldo dá um verniz erudito à grita primal por mais produção e menos legislação. Cita Graciliano Ramos, José Bonifácio, Malthus. Mas seu relatório resvala para o humor involuntário.
Pede, por exemplo, a naturalização da jaca, uma vez que essa espécie chegou ao Brasil no século 17 -não deveria mais ser "exótica".
Acusa o Greenpeace e a Holanda de conspiração para ressuscitar a era Nassau. Não acredita? Ao relatório:
"O sonho batavo de uma Holanda Tropical foi desfeito tragicamente nos montes Guararapes (...) Despojada do poder militar e comercial de antigamente, a Holanda se compraz em sediar e financiar seus braços paramilitares, as inevitáveis ONGs".
(Como ensina Warren Dean no clássico "A Ferro e Fogo", a tese da conspiração internacional para frear o desenvolvimento do Brasil é velha. Ela foi usada já nos anos 1950 para justificar a grilagem das florestas do Pontal do Paranapanema.)
Mas é em sua invectiva contra a mudança climática que o relatório se supera.
Confunde aquecimento global com buraco na camada de ozônio; dispara contra os países ricos pelos cruéis "mecanismos de desenvolvimento limpo", ignorando que estes são uma invenção brasileira; e evoca uma "certeza" que nunca houve sobre um "resfriamento global".
Além de uma consultora do agronegócio, o deputado bem poderia ter contratado um assessor científico.
Para relator, os agricultores são vítimas do código
"Assim vai o nosso agricultor, notificado, multado, processado, embargado na sua propriedade, mal arrancada terra o seu sustento e já se vê sustentando o fiscal ambiental, o soldado, o delegado, o oficial de Justiça, o promotor, o desembargador, o advogado, o banqueiro e a ONG que inspirou o seu infortúnio", escreveu o relator.
ONGs mostram cartão vermelho a Aldo Rebelo
A apresentação do relatório do projeto que altera o código florestal Brasileiro pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ocorreu em meio a manobras de obstrução e clima de confronto entre ruralistas e ambientalistas. A sessão foi tumultuada desde a leitura da ata até o encerramento.
"Esse relatório tem um lado: o relator contratou uma assessora do agronegócio", disparou Ivan Valente (PSOL-SP). Ele se referia à contratação da advogada Samanta Piñeda, ligada aos ruralistas, que recebeu R$ 10 mil por uma consultoria ao projeto, conforme noticiou o Estado ontem. O dinheiro foi pago com a verba indenizatória de Rebelo e do presidente da comissão especial, Moacir Micheletto (PMDB-PR).
Grande número de militantes de ONGs ambientalistas compareceu à votação para protestar, obrigando a comissão a organizar uma sala contígua com telão para comportar o público. A cada artigo do projeto ou observação polêmica do relator, os manifestantes levantavam cartões vermelhos, em sinal de desaprovação.
Micheletto encerrou a sessão após a leitura do relatório e convocou uma nova reunião para votar o texto para hoje à tarde. Valente anunciou que vai pedir vista e retardar ao máximo a votação da matéria, que irá direto a plenário, caso seja aprovado na comissão especial de meio ambiente.
Retrocesso florestal
O relatório do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) à comissão especial da Câmara, com propostas para o novo Código Florestal, extingue a pouca luz da discussão e deixa em cinzas as pontes que ruralistas e ambientalistas mais esclarecidos vinham tentando construir entre os dois lados.
O código, que existe desde 1965, foi modificado em 2001 por medida provisória. O texto estipula que donos de terras estão obrigados a manter intactas parcelas de reserva legal -de 20% a 80% da propriedade, a depender da região.
Proprietários particulares, assim, dividem com o poder público o ônus de preservar as matas como bens comuns. Além da reserva, a legislação em vigor prevê áreas de proteção permanente (APPs). Sem exploração agrícola e cobertos de vegetação, topos de morro e margens de corpos d"água impedem erosão e assoreamento de nascentes, rios e represas -no interesse de todos.
Até o final do século 20, latifundiários e ruralistas limitavam-se a desrespeitar o código, certos da impunidade. A partir de 2008, o governo federal passou a atuar com mais rigor, no esforço de conter o desmatamento na Amazônia.
Tornou-se necessário reconhecer em cartório (averbar) o passivo ambiental. Vale dizer, delimitar e registrar as áreas desmatadas em desacordo com a legislação. Na falta de averbação até dezembro daquele ano, o dono ficaria sujeito a multas diárias de R$ 50 a R$ 500 por hectare.
A ameaça de fiscalização pôs os ruralistas em polvorosa. Passaram a denunciar o código de 1965 como uma peça que inviabilizaria a agropecuária nacional. Conseguiram arrancar do governo Lula sucessivos adiamentos do prazo para início das multas, de 2008 para 2009 e depois para 2012.
Todos os que tenham cumprido a lei descobrem-se agora como tolos. Encorajados pelo vaivém do Planalto, ruralistas infratores e seus cúmplices parlamentares se lançaram numa campanha para derrubar o código.
O nacionalismo antiquado do PC do B só veio tornar mais "aloprada" essa visão discrepante de tudo o que se descobriu e aprendeu sobre economias sustentáveis nas últimas décadas. Houve recentemente reduções no desmatamento da Amazônia, como quer a opinião pública nacional e internacional. Mas, para Rebelo, isso equivale a dobrar-se diante de potências imperialistas.
A proposta alinhavada pelo relator prodigaliza moratórias, suspende multas, alarga prazos para recomposição de reserva legal, reduz APPs, libera exploração de várzeas e topos de morro... Um lobista em defesa dos interesses mais atrasados da agropecuária não teria feito melhor do que o parlamentar comunista.
Ao tentar transformar em regra de direito o fato consumado dos crimes ambientais, o relator abandona a busca de equilíbrio entre agenda econômica e natureza. Não por acaso, acata a reivindicação de delegar aos Estados o poder de legislar sobre reserva legal e APPs -que mal disfarça a intenção de transferir as leis para instâncias mais vulneráveis à influência corruptora.
Se faltar ao Congresso coragem para enterrar de pronto esse projeto, que ao menos adie a decisão para a próxima legislatura.
Fonte: Folha de São Paulo, 09/06/2010
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(PSTU)