Por Daniel Cassol do Sul21
Passado um mês da morte do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados no dia 24 de maio em Nova Ipixuna, sul do Pará, a sensação de insegurança na Amazônia aumenta de modo inversamente proporcional ao interesse da imprensa pelos conflitos fundiários na região.
A avaliação é do jornalista gaúcho Felipe Milanez, autor das principais reportagens sobre o assassinato do casal de extrativistas que viviam em conflito com madeireiros. Seu trabalho foi citado em artigos do jornalista norte-americano Jon Lee Anderson. Radicado em São Paulo, para onde foi ainda criança morar com os pais, Milanez é formado em Direito e tem mestrado em Ciência Política pela Universidade de Toulouse, na França.
Depois de trabalhar no Ministério da Justiça e na Fundação Nacional do Índio (Funai), ele se especializau em grandes trabalhos jornalísticos sobre a Amazônia e a questão indígena. Em maio do ano passado, quando trabalhava para a revista National Geographic, o jornalista foi demitido da editora Abril, responsável pela publicação, após uma crítica no Twitter a uma reportagem sobre índios na revista Veja.
Nesta entrevista ao Sul21, o jornalista sustenta que a aprovação do novo Código Florestal e a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte influenciam no aumento da violência na Amazônia. E critica a cobertura da imprensa brasileira. “A cobertura é extremamente tímida. O lugar é muito pior do que parece, as pessoas têm muito mais medo”, afirma.
Confira os principais trechos da entrevista.
Sul21 – Um mês depois do assassinato, porque os responsáveis ainda não foram presos?
Felipe Milanez - Tendo em vista que Nova Ipixuna é uma cidade pequena, não é um crime tão difícil de elucidar. O difícil depois é processar as pessoas. Em um mês, já era para os pistoleiros e os mandantes terem sido presos. Se houvesse uma pressão ainda maior, acho que a polícia podia ter mais elementos. Na semana passada foi prorrogado o prazo do inquérito, a polícia deve ter pedido prisões, mas o inquérito corre sob sigilo. Também não adianta correr demais, porque a grande questão será na Justiça. Eu tenho esperança de que a polícia esteja fazendo a investigação com cuidado.
Sul21 – Neste caso, não se pode dizer que a polícia está se omitindo.
Felipe Milanez – Neste caso, há uma pressão sobre a polícia. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a grande mídia ficam em cima. Acontece que houve outros assassinatos no Pará e nestes casos a polícia terá muito mais dificuldade para investigar, porque não são ligados diretamente a conflitos fundiários. Na verdade, esse caso do Zé Cláudio descortinou a violência no Pará.
Sul21 – É possível dizer que a violência na região aumentou? Recentemente, tu e a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB) discutiram no Twitter, porque tu dizias que a aprovação do novo Código Florestal na Câmara tinha relação com o agravamento da violência.
Felipe Milanez – A Manuela votou a favor do Código Florestal, depois resolveu dizer que isso não tem absolutamente nada a ver com a violência no campo. Isso é um absurdo. É obvio que tanto o Código como as hidrelétricas construídas no meio da floresta pressionam a fronteira econômica. Numa terra onde não tem regularização fundiária, nem os aparatos do Estado, isso provoca mais violência, que é uma característica de lá. O Zé Cláudio era contra o Código Florestal.
Sul21 – Mas tu achas que é possível fazer essa relação direta?
Felipe Milanez - Quem trabalha em campo na Amazônia, pesquisadores ou jornalistas como eu, nota que existem tendências, sinais simbólicos, que são incorporados pela elite e pelos trabalhadores dessas regiões. A aprovação do novo Código dá um sinal direto e simbólico de que o poder está com os grandes detentores de terra. Esse sinal chegou com a aprovação do Código, com a mudança no governo do Estado, com o fortalecimento da bancada ruralista no Congresso. Os detentores de terra se deram ao luxo de começar a executar. Essa pressão política está ligada. Não é que aprovaram o Código e os fazendeiros decidiram matar, mas eles sentiram que estão com mais força este ano. E se precisar matar, como é a regra local, eles matam. Está todo mundo preocupado. Quem mata dessa forma é um criminoso, mas a impunidade dos mandantes está diretamente ligada à força política que eles têm, e hoje eles sentem que têm mais força política. Mesmo que seja um fazendeiro pequeno ou um madeireiro pequeno de Nova Ipixuna. Quem está no poder hoje é o lado dos grandes detentores de terra e eles vão tocar a política da forma tradicional na região.
Sul21 – Em propaganda na TV, o PT relacionou as mortes do Zé Cláudio e da Maria ao governador Simão Jatene, do PSDB. Essa vinculação é forçada?
Felipe Milanez – Está todo mundo querendo se capitalizar em cima da tragédia. Tanto o PT, como o governo Simão Jatene, através do secretário de segurança pública, que na hora de anunciar que tem um suspeito, prefere fazer uma biografia pessoal. Também não dá para culpar o Jatene. No ano passado, em Ipacajá, houve quatro assassinatos em setembro. Houve ao longo de um ano uma chacina com mais de dez pessoas mortas em Ipacajá, mesmo no governo da Ana Júlia (PT), com corrupção pesada, com aumento de planos de manejo. O PT não pode atribuir ao Jatene, mas ele tem um currículo muito pesado de violência no campo e não dá sinais de que a política segurança pública vá realmente proteger o lado mais fraco. Ele carrega no currículo o massacre de Eldorado dos Carajás, a morte da Dorothy Stang. Algum partido querer se capitalizar é um erro brutal, até porque o PT votou pelo Código Florestal, então não faz muito sentido.
Sul21 – A repercussão internacional da morte do casal de extrativistas não pode ajudar a melhorar a situação na Amazônia?
Felipe Milanez – A pressão internacional no caso do Zé Cláudio foi menor do que no Massacre de Eldorado dos Carajás ou mesmo no caso da Dorothy Stang. Demorou muito para a mídia chegar lá. A imprensa internacional não foi, tirando a Al Jazeera, que foi a única emissora de televisão que esteve no velório. As emissoras nacionais mandaram equipes locais. A pressão é muito fraca. Além disso, hoje a pressão internacional não tem o mesmo efeito. O Brasil não depende de recursos internacionais. A usina Belo Monte provou isso, com a Organização dos Estados Americanos (OEA) tentando recriminar o governo brasileiro. A pressão tem que ser interna. Acabou isso de achar que os gringos vão pressionar o Brasil, se não, não vão dar dinheiro. Isso não faz mais sentido. Tem que criar uma pressão interna.
Sul21 – Mas a imprensa cobriu o assassinato em Nova Ipixuna.
Felipe Milanez – Não cobriu nada. Tirando a minha reportagem na Carta Capital, que outra reportagem relevante teve? A Folha mandou um jornalista para lá. O Estadão cobriu de Belém. Do Sul, não foi ninguém. Depois que mataram mais um assentado, na outra semana mandaram jornaistas para fazer reportagens, aí sim fizeram reportagens mostrando que a região é violenta. A cobertura é extremamente tímida. O lugar é muito pior do que parece, as pessoas têm muito mais medo, está cheio de Força Nacional, Polícia Federal, os assentados sem poder ir para casa. Onde isso está aparecendo na mídia? A gente não sabe o que se passa na Amazônia.
Sul21 – Temos uma imprensa muito urbana e paulista.
Felipe Milanez – E preconceituosa. Só quer mexer no próprio umbigo. No Sul, a imprensa é extremamente bairrista. Se não tem gaúcho… E isso que está cheio de gaúcho na Amazônia. Poderiam se dar o luxo de saber que o Rio Grande do Sul tem uma responsabilidade tremenda na destruição da Amazônia, não porque mandou os imigrantes pobres na busca de um sonho, mas o Estado consume 10%, 15% da madeira da Amazônia. Aí tem que abrir o olho. A maior empresa siderúrgica do Rio Grande do Sul tem uma participação direta, compram ferro da Amazônia, fornecem produtos químicos que são usados na Amazônia. Qual é a responsabilidade do Rio Grande do Sul na destruição da Amazônia? São Paulo tem a mesma postura, só pensa em Belo Monte se vai haver ou não energia para os computadores. A morte do Zé Cláudio completou um mês. Você viu uma reportagem relevante?
Sul21 – Como jornalista militante, tu tens conseguido mais espaço como freelancer do que tinha na National Geographic?
Felipe Milanez – Não me considero um militante. Sou um jornalista que conto essas histórias. Sou muito preocupado em entender o mundo hoje e a Amazônia permite isso. Lutando a gente consegue espaço. Tento me especializar, ir a campo. E construir um meio. Não adianta ficar parado, como era na mídia tradicional, que não tem mais o mesmo poder. O Estadão mandou um bom jornalista, o Daniel Bramatti, que ficou uma semana em Marabá, mas hoje isso é cada vez mais raro. Tem que criar outros meios.
Sul21 – Tua demissão do Grupo Abril, por ter criticado uma matéria da Veja no Twitter, acabou sendo positiva ?
Felipe Milanez – De jeito nenhum. Aquilo foi muito negativo pessoalmente, eu fiquei mal para caramba, meus colegas também. Eu já fazia isso na National. Trabalhava há alguns anos na Amazônia, tinha relação próxima com as comunidades indígenas. Mas isso serviu para descortinar a estrutura que está por trás, o que pensa o grupo Abril. Eu não tenho nenhum problema pessoal com a Abril. Eu já tinha distância da Veja, não mudou minha opinião. Entrei um pouco em evidência na internet, mas se não tivesse feito várias reportagens sobre a Amazônia, como sempre fiz na National, não teria esse reconhecimento.