Carlos Tautz *
São preocupantes as primeiras informações a respeito do Zoneamento Econômico Ecológico da Cana, que o Ministério da Agricultura divulgará provavelmente em agosto. Anunciado no ano passado, em resposta às críticas internacionais de que a indústria da cana se expandia em direção à floresta amazônica, o zoneamento, segundo antecipou o jornal Valor Econômico, apenas indicou as áreas em que a rentabilidade do negócio do álcool combustível tem condições naturais de se tornar maior.
Teriam sido deixadas de lado pelo consórcio de cinco instituições públicas de pesquisa responsáveis pelo estudo questões elementares (e primordiais) para a definição de uma política nacional de produção economicamente sustentada e socialmente justa da cana - cultura secularmente marcada pela oligopolização, superexploração de trabalho e de recursos naturais e pela radical concentração da renda produzida. Entre os aspectos ainda pendentes de definição estariam a expulsão de outras culturas em direção à floresta por pressão dos plantadores de cana, o risco de especialização produtiva da agricultura de certos estados, a sobreutilização dos recursos hídricos, a falta de regularização fundiária das terras apontadas e a redefinição de relações de trabalho no setor.
Este último ponto, aliás, carece de extrema atenção. Afinal, há que se pesquisar muito para saber se a produção de álcool de cana brasileira alcançaria a rentabilidade que possui, caso as centenas de milhares de trabalhadores do setor fossem adequadamente remunerados pela sua altíssima produtividade e recebessem condições de trabalho que lhes retirassem do século 18 e finalmente os apresentassem ao século 21. Afinal, mesmo que a cultura de cana fosse totalmente mecanizada, ainda assim vários milhares de braços de homens e mulheres continuariam a ser utilizados nessa indústria, que está no centro da estrutura de poder fundiário e patrimonialista que impera no Brasil desde a era das capitanias hereditárias.
De acordo com o repórter Mauro Zanatta, do Valor, os pesquisadores de Embrapa, do IBGE, da Unicamp, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que elaboraram o estudo para o Ministério da Agricultura, levaram em consideração dados de clima, solo, relevo e de capacidade de captação de chuva para apontar as áreas que têm maior probabilidade de manter inigualáveis as condições naturais para produção do combustível.
O objetivo seria subsidiar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em sua política de concessão de crédito para o setor (entre operações aprovadas e contratadas, há projetos no total de R$ 6,5 bilhões) e afastá-lo da Amazônia. Esse é o único objetivo do estudo. Ele visa a blindar o programa nacional de etanol de críticas dos adversários, que sempre utilizam a falta de atenção brasileira à Amazônia como arma de disputas comerciais. É para isso que, até aqui, tem servido o zoneamento: evitar ataques políticos ao etanol, que se transformou na grande vitrine internacional do governo Lula após o fracasso da tentativa de emplacar o combate à fome como outdoor global do petista.
* Jornalista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)