segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pare Belo Monte: Nesa oferece valores muito baixos por propriedades na comunidade Cobra Choca


Cerca de 300 agricultores de Vitória do Xingu, afetados pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, realizaram uma reunião com a empresa responsável pela obra, a Norte Energia (Nesa), para discutir os termos dos possíveis deslocamentos da comunidade no dia 1° de setembro. Mediados pelo Ministério Público Federal (MPF), na figura do procurador Felício Pontes Jr., os agricultores do travessão Cobra Choca – estrada vicinal da Transamazônica – levantaram contradições no processo de indenização pelas terras que deverão ser afetadas pela usina. A reunião foi coorganizada pela Associação de Agricultores da Volta Grande do Xingu (Agrivox) e pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS).

Cobra Choca está localizada na área destinada ao reservatório intermediário da usina e terá suas plantações e casas alagadas. A Nesa está identificando os moradores e avaliando as propriedades, mas as ofertas financeiras resultantes têm revoltado não só àqueles que tiveram seus lotes diretamente avaliados, como também os que apenas tomaram conhecimento dos preços apresentados pela Nesa.

Representada pelo advogado Arlindo Gomes Miranda, gerente de assuntos fundiários da Nesa, a concessionária teve de responder às três principais questões relacionadas às negociações levantadas pelos agricultores: a indenização de terras, o preço da madeira presente nas propriedades e o valor a ser pago pelo cacau, principal atividade econômica da comunidade.

Segundo o Caderno de Preços da Nesa, os valores que servem de referência foram apurados entre setembro e início de outubro de 2010, e foram considerados completamente defasados pelos agricultores. Após tal data, e principalmente após a emissão das últimas licenças e o início das obras, o mercado de terras na região aqueceu-se enormemente, valorizando as terras muito acima dos preços oferecidos pela Nessa.

“Nós não aceitamos este valor oferecido pelo cacau, este preço da terra e este preço da madeira”, explica Ana Alice, dirigente da Agrivox e uma das organizadoras da reunião. “Não participamos da criação do caderno de preços; nós sabemos que temos muito mais madeira do que vocês estão dizendo; e o nosso cacau não vale esta miséria”, diz.

Arlindo explicou os critérios utilizados pela empresa para estabelecer a relação de compra e indenizações, afirmando que a Nesa não realiza desapropriações. Cada ponto foi rebatido pelos agricultores, pelo MPF e pelos pesquisadores.

“Prestei atenção em cada uma das frases ditas pela Norte Energia aqui hoje”, começa Felício. Continua: “o dinheiro desta obra não virá para o estado do Pará, para Altamira, para a região”. Segundo Felício, nem os governos locais são respeitados nos acordos que foram prometidos aos representantes do poder público. “O que, então, nós esperamos que eles façam na negociação com os agricultores da Cobra Choca?”.

O procurador contrapõe o argumento do advogado da empresa sobre as desapropriações. “Em primeiro lugar, a Nesa desapropria, sim. E o problema nisso não está na desapropriação em si”, comenta. Para Felício, o problema, a ilegalidade reside nos valores praticados. “Todas as benfeitorias, a Reserva Legal, a cobertura florística, tudo tem que ser pago. Tudo vale dinheiro. É isso o que diz a legislação. E aqui na Volta Grande, vocês tem tudo isso”, diz.

Para Antonia Melo, coordenadora do MXVPS, “ou o agricultor aceita a negociação, ou vai pro olho da rua”. “Ninguém sabe onde seria o possível remanejamento, caso Belo Monstro saia”, explica. “Na cidade, não é diferente: mais de 7 mil famílias estão na mesma condição, sem ter a menor idéia de para onde irão”. “A Nesa tem que mostrar agora, discutir agora com os agricultores, ribeirinhos, moradores, com qualquer comunidade, o que elas querem”, continua. “Mas sabemos que eles não vão fazer isso”.

Madeira
Durante a atividade, que contou também com a presença da Defensoria Pública Estadual,  pesquisadores ligados ao Instituto Socioambiental (ISA) apresentaram um Estudo de Caso sobre os inventários florestais realizados na região atingida, que apontam recursos passíveis de serem comercializados, a preços de hoje, por valores superiores a R$ 10.000/ha. Foi constatado que, nos 285 imóveis atingidos, majoritariamente ocupados por pequenos agricultores, 53% da cobertura florestal se encontra preservada. Isso representa 17.341 hectares de mata com inúmeras espécies comercializáveis.

Arlindo foi taxativo em relação à postura da Norte Energia em não indenizar a madeira que todos perderiam: “O que a Norte Energia tem feito? Tem pago aquelas [madeiras] que estão no comércio.  Quais a gente diz que estão no comércio? As que tem um plano de manejo aprovado. A área que tem manejo foi valorada, foi dado um preço. A parte que não é autorizada por plano de manejo, nós não incluímos para efeitos de pagamento no laudo”.

O procurador da República, Felício Pontes, rebateu as afirmações do representante da Nessa, apontando a incoerência no discurso da empresa. “A Reserva Legal, a cobertura florística toda, se ela tem influencia no imóvel, ela é paga, ela vale dinheiro. Isso que diz a legislação e aqui na Volta Grande não há nenhuma Reserva Legal, nenhuma floresta que possa estar desassociada da produção que é feita do lado dela, todas elas ajudam a produção. E vocês sabem disso melhor do que eu”, pontuou.

Segundo os agricultores, haverá resistência contra as negociações manipuladas e rebaixadas da empresa. “Ainda estão avaliando nossos lotes, mas enquanto o preço continuar essa, a gente não vai permitir nem quer a empresa entre nas nossas propriedades”, conclui Ana.


Fonte: Movimento Xingu Vivo para Sempre
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