sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Resex Riozinho do Anfrísio: Ausência do Estado acentua exploração ilegal na Terra do Meio (PA)

Natália Guerreiro*

Há indícios de que a Resex Riozinho do Anfrísio possa estar testemunhando, nos últimos meses, uma nova investida de exploração ilegal de madeira, com ameaças a lideranças e até mesmo intimidações de grilagem, como as que desencadearam os conflitos que resultaram na demanda da Unidade de Conservação, no início dos anos 2000. É o que apontam relatos de seus moradores, reforçados por imagens recentes de satélite, bem como por conclusões de estudo ora publicado, apoiado pelo ISA na área em 2010.

A análise de uma imagem recente de alta resolução do satélite japonês ALOS indicou a existência de uma intrincada rede de pequenas estradas numa área específica da Resex Riozinho do Anfrísio, situada na Terra do Meio, estado do Pará, que, segundo depoimentos recentes de moradores, estaria sendo objeto de intensa atividade predatória. A interpretação dessa imagem e de outras de menor resolução permitiu delinear mais de 119 quilômetros de possíveis ramais madeireiros no limite oeste da Resex.

Os dados foram registrados durante estudo promovido em dezembro de 2010 pelo ICMBio, com apoio do ISA, destinado a mapear a demanda e a viabilidade de recuperação de uma antiga estrada de borracha ligando a Resex aos municípios próximos de Trairão e Itaituba. As conclusões da expedição estão agora disponíveis no relatório "Via de Direito, Via de Favor"


Exploração de madeira é antiga na região
Nessa expedição de dezembro de 2010, muitas foram as denúncias de exploração madeireira dentro dos limites da reserva, particularmente em sua face oeste, próximo à Flona Trairão e no acesso ao Projeto de Assentamento Areia, que conta com uma madeireira em seu interior. 

“Tem gente no Igarapé da Conceição puxando madeira, bem próximo da beira. Se vocês quiserem, eu levo vocês lá”, disse um morador, que avalia que a criação da Resex refreou a atividade predatória, mas sem cessá-la por completo. Isso se explica porque a região tem um histórico conflituoso envolvendo grileiros, madeireiros e ribeirinhos que remonta à década de 1990, e que teria atingido seu ápice em meados da década de 2000.

Em 2003 foi instalada no Riozinho do Anfrísio uma base do Exército, que ali permaneceu por um ano. Em 2004 foi decretada a Resex. A ameaça de grilagem teria praticamente acabado, salvo por conflitos pontuais. Desde então, diminuiu também a pressão por retirada ilegal de madeira, apesar de nunca ter sido interrompida de fato. No ano de 2010, entretanto, relatos de moradores davam conta de que a pressão havia aumentado a níveis anteriores a 2002.

A exploração da região é, portanto, antiga, o que faz supor que a madeira mais próxima à sede da madeireira no assentamento esteja esgotada, justificando que se avance para as matas mais bem preservadas da Resex Riozinho do Anfrísio. Essa informação encontra eco no relato do educador do ISA, Cristiano Tierno, recém chegado de atividades na Resex em setembro de 2011, e que afirma ter sido possível ouvir sons de tratores nas proximidades da localidade Piranheira, no Alto Riozinho do Anfrísio.

A esse propósito, o processamento e análise de uma imagem Landsat de recente aquisição (18 de Julho de 2011) mostram o avanço da exploração ilegal de madeira no interior da Resex.  Com efeito, na imagem é nítida a presença de uma estrada que ligaria a fazenda Santa Cecília, na Flona Trairão, com áreas de exploração no interior da reserva. A estrada, que aparenta ter largura suficiente para permitir o trânsito de caminhões de grande porte, desaparece nas proximidades da região das localidades Postinho e Piranheira. Pode-se inferir então que a movimentação de tratores relatada na Piranheira corresponde à exploração de madeira nas proximidades e, provavelmente, à “finalização” da estrada, que em breve, sem intervenção do Estado, deve chegar até o próprio Riozinho do Anfrísio.

A atividade criminosa de uma madeireira no Assentamento Areia (porta de entrada para os ramais da estrada que avança sobre a Resex) é algo sedimentado e há quase uma década vence a queda de braço contra as ações de fiscalização. Diversas vezes a madeireira instalada no assentamento foi fechada e sempre reabriu com outra fachada formal. Durante a expedição sobre a estrada de borracha, em 2010, tomou-se conhecimento da presença ativa de um madeireiro conhecido que já teve suas atividades encerradas, mas que estaria atualmente articulando o comércio de madeira na região novamente.


Além disso, o quadro se agrava uma vez que, tanto física, como administrativamente, a gestão da Resex, em Altamira, é distante do que se passa em sua fronteira oeste. O único meio para a gestão alcançar o Alto Riozinho é a via fluvial, o que inviabiliza – nas atuais condições de infraestrutura – o monitoramento dessa faixa (terrestre).

Ribeirinhos continuam a ser ameaçados
Há mais um fato de extrema gravidade que reforça os indícios de uma intensa exploração madeireira no interior da Resex: Raimundo Belmiro, uma das lideranças da Resex, voltou a receber ameaças de morte por sua oposição à extração ilegal de madeira na unidade. Suas denúncias já foram protocoladas junto à Polícia Federal, bem como foi ouvido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Em declaração recente à Revista Época, publicada em agosto de 2011, Belmiro faz um apelo ao Estado para que reconheça sua premente necessidade de proteção. “Se as autoridades me entendessem e vissem que eu tenho valor, eu queria uma proteção. Uma coisa séria, porque não tá fácil pra mim. Eles sabem quando eu tô na floresta, sabem quando eu tô em Altamira. Estou desprotegido, só tenho a proteção de Deus. E o pessoal tá invadindo lá dentro do Riozinho, tirando madeira. E essa gente ataca pelas costas. À traição”.

Ainda neste mês de setembro, segundo denúncia de comunitários, dois homens estiveram na Resex e se apresentaram como representantes de Edson Luiz Massaro, coordenador de assuntos fundiários da empresa paranaense Comil Agropecuária, de propriedade de Rovilio Mascarello. Nessa ocasião, um dos prepostos teria informado que Mascarello afirma ter comprado terras do Riozinho de Anfrísio de Anfrísio Nunes, seringalista que controlava a produção da região em meados do século XX. O ICMBio tomou conhecimento da denúncia, mas, segundo analista ambiental do órgão, em Altamira, a diretoria de proteção não autorizou a ida de analistas do órgão para averiguação em campo e prisão dos invasores. Isso gerou revolta entre comunitários que reclamam da ausência do ICMBio na área.

A ausência do Estado na região incentiva e estimula grileiros e madeireiros a assumir serviços que o poder público não garante, como providências de transporte para acesso a saúde nos centros urbanos mais próximos, por exemplo. Assim, aqueles que seriam importantes aliados para fiscalizar e coibir essas atividades predatórias são colocados em situação vulnerável que pode aproximá-los de atividades criminosas.

Esse é justamente um dos pontos centrais das conclusões do estudo agora divulgado, realizado na Resex em 2010, acerca da demanda da comunidade para a reabertura do antigo caminho de borracha conhecido como estrada de São Paulo, que liga o Alto Riozinho com o acesso a Trairão e Itaituba. A estrada atualmente é intrafegável para veículos, mas é utilizada para travessias a pé pelos moradores da Resex, em busca de atendimento de saúde, escoamento de produção etc.

Relatório traça um retrato da Resex do Anfrísio
No relatório, intitulado “Via de direito, via de favor”, além dos dados sobre a solicitação da estrada em questão, há um retrato proporcionado por depoimentos dos moradores sobre as condições de vida na Resex Riozinho do Anfrísio; uma contextualização regional e institucional da Resex em relação ao mosaico da Terra do Meio; um histórico dos conflitos fundiários e relativos à exploração madeireira na região; e, por fim, as referidas imagens de satélite que indicam a possível degradação florestal no interior da reserva.

Considerando a licença de instalação de Belo Monte e a retomada do asfaltamento da BR-163 e da Transamazônica, a tendência de continuidade e aumento exponencial da retirada ilegal de madeira nessa região é grande. São necessárias providências urgentes para fiscalização, investigação aprofundada para desmonte do “esquema” de roubo de madeira a partir do Assentamento Areia e instalação de bases do governo na fronteira da Resex Riozinho do Anfrísio ou Flona Trairão. Nesse sentido, a reabertura da estrada indicada no relatório poderia contribuir para melhorar o monitoramento mais efetivo da região e aumentar presença do Estado. Por fim, cabe registrar que o estudo em questão foi encaminhado ao ICMBio em janeiro de 2011. Sem ações efetivas, perpetua-se a situação de risco e ameaça não apenas aos recursos da Resex, como principalmente à vida de pessoas como seu Raimundo Belmiro, entre outros tantos comunitários que se colocam na linha de frente do combate às atividades predatórias na região.

*Especial para o ISA
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