Décadas depois, setores da
chamada 'grande mídia' reeditam o macarthismo
Diego Cruz*
Neste momento, a reintegração de posse do terreno
do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP) já foi finalizada. As casas e
barracos, assim como as igrejas, padarias e bares daquele bairro que abrigava 9
mil pessoas, já foram reduzidas a pó pelas retroescavadeiras da massa falida da
Selecta. Foi o desfecho para o brutal despejo desencadeado por 1800 homens da
Polícia Militar na manhã do dia 22 de janeiro.
Mas para a retaguarda da Tropa de Choque, os trabalhos estavam apenas começando. A chamada grande imprensa, com honrosas exceções, volta agora suas armas aos ex-moradores e às lideranças da ocupação, em uma ação orquestrada de criminalização do movimento por moradia. Em uma linguagem macartista que faz lembrar a famigerada Doutrina de Segurança Nacional dos tempos da ditadura, setores da mídia culpam supostas lideranças ‘radicais’, em especial o PSTU, pela violência que marcou a operação de despejo.
Em editorial publicado no dia 26 de janeiro intitulado ‘Operação Pinheirinho’, o jornal Folha de S. Paulo faz uma incrível inversão dos fatos para atribuir ao partido a violência cometida contra os moradores. Segundo o jornal ’à frente da ocupação - uma favela com cerca de 6.000 pessoas – encontravam-se militantes esquerdistas vinculados a organizações sindicais e ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU’. Mais à frente, o editorialista sentencia: ‘não há dúvidas de que esses líderes desejavam o confronto. Não interessam ao PSTU soluções reais para as carências habitacionais dos pobres’.
Argumento semelhante foi utilizado pelo colunista Elio Gaspari no dia anterior. No artigo ‘Pinheirinho a estratégida da tensão’, o articulista acusa uma suposta ‘intransigência’ do movimento dos moradores do Pinheirinho em negociar a compra do terreno com os proprietários. Editorial do Estado de S. Paulo, o segundo maior jornal do estado, também acusa o PSTU de forma semelhante. Segundo o jornal, o PSTU “que prega a substituição do Estado capitalista pelo " marxismo revolucionário" (sic) apostaria no confronto com a polícia como forma de obter vantagem política.
Ataques com o mesmo conteúdo foram reproduzidos em vários outros veículos país afora, tanto na mídia impressa quanto televisiva ou na Internet. O Jornal Nacional chegou a afirmar que existia uma ‘Cracolândia’ no Pinheirinho.
Os fatos sonegados
Desde de seu início, em 2004, a ocupação do terreno que mais tarde viria a ser o Pinheirinho contou com o apoio incondicional do PSTU, assim como de outros movimentos sociais e sindicatos, principalmente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. E, desde aquele momento, a luta principal das centenas de famílias sem-teto foi a regularização do terreno e a desapropriação da área para a construção das moradias. Não o confronto com a polícia.
Inúmeras campanhas e atos públicos contra as sucessivas liminares de reintegração expedida pela Justiça foram organizados, assim como reuniões com a prefeitura, o governo do Estado e Federal, a fim de se chegar a uma solução para o caso. O que a imprensa não faz questão de informar é o fato de que, em meados de 2011, pouco antes de a juíza Márcia Loureiro ressuscitar uma liminar de seis anos antes e mandar a polícia despejar os moradores, as negociações para a regularização da área já estavam avançadas. Mas para certos jornais, isso não existiu. Centenas de famílias simplesmente brotaram da terra, ‘invadiram’ um terreno particular e agora resistiam a uma ordem da Justiça.
As imagens da pequena tropa improvisada com barris cortados, capacetes de motoclicista e pedaços de pau rodaram o mundo. O que boa parte da imprensa chamou de ‘incitação à violência’ de radicais era, na verdade, a intenção legítima dos moradores defenderem suas próprias casas, fruto de oito anos de trabalho. E para isso trabalhadores como pedreiros, carpinteiros, catadores de lixo e donas de casa se viram obrigados a se travestirem de verdadeiros guerreiros. Pinheirinho foi comparado a uma Sparta moderna ou uma Canudos do Século XXI. Mas essa imprensa não concebe a possibilidade de os trabalhadores se levantarem e defenderem seus direitos. Isso é “vandalismo”.
No fatídico dia da desocupação, os principais veículos de comunicação só chegaram ao local após a enorme repercussão que o caso começou a tomar nas redes sociais. A enorme e desesperada campanha da semana anterior contra a ordem de reintegração, posta em marcha pelo PSTU e diversos outros partidos como o PSOL e parlamentares do PT, assim como sindicatos e movimentos sociais, foi solenemente ignorada.
Até mesmo a imprensa internacional se assustou com o descaso da mídia tupiniquim ao massacre que se desenrolava em São José dos Campos. O britânico Guardian chegou a destacar em matéria sobre a desocupação que ‘durante todo o dia, a mídia corporativa do Brasil, que tem ligações históricas ao partido no poder, tanto em nível estadual e local, relatou a história em tons suaves manchetes destacando uma van incendiada enquanto relevava as casas das pessoas em chamas’.
A censura seletiva da PM e da prefeitura
Durante a ação de reintegração, enquanto a Polícia Militar cometia os mais diversos abusos contra os moradores, a imprensa era impedida de se aproximar do local onde ocorriam os confrontos. Ao não ser a TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba. Com colete à prova de bala usada em situações de guerra, a repórter teve acesso exclusivo à ocupação no momento em que os policiais invadiam o terreno. As imagens trazem à mente os repórteres ‘embutidos’ (embedded) que ficaram polêmicos no Iraque ao atuarem como uma espécie de porta-voz dos marines direto do front.
Por incrível que pareça, tal censura em meio a uma verdadeira crise humanitária não causou maiores indignações à dita grande imprensa. Assim como a restrição imposta pela prefeitura para a entrada de repórteres nos precários abrigos públicos em que os moradores desalojados eram amontoados. Dias depois da desocupação, a PM finalmente permitiu que os repórteres conferissem a situação no Pinheirinho. Mas devidamente acompanhados e proibidos de conversarem com os moradores, como fazem ditaduras em situações de conflito. E tudo parecia normal.
Os grandes jornais que se gabam de seu ‘jornalismo investigativo’, aliás, nem se deram ao trabalho de procurar saber como um terreno público que deu origem ao Pinheirinho foi grilado para depois parar nas mãos do megaespeculador Naji Nahas.
As redes sociais e da imprensa alternativa
Se o crime cometido contra o Pinheirinho ganhou toda essa repercussão, causando uma comoção em todo o país e até fora dele, foi por causa das redes sociais e do trabalho de jornalistas independentes e ativistas solidários aos moradores. Imagens das agressões gratuitas da Polícia Militar só viraram notícias após serem amplamente divulgadas pela Internet. Foi através da cobertura alternativa aos grandes meios que os moradores puderam dar sua voz. Foram os ativistas que filmaram o momento em que, por exemplo, a PM atacava os próprios abrigos da prefeitura, transformados em verdadeiros campos de concentração.
As imagens e relatos divulgados pela rede desmoralizaram o comando da Polícia Militar, o prefeito Eduardo Cury e o próprio governador Geraldo Alckmin, em sua versão de que a reintegração de posse havia se dado de forma “pacífica”. E foi através desses meios por fora do mainstream que se estabeleceu uma verdadeira rede de indignação e solidariedade aos moradores. Atos públicos foram organizados em várias regiões em uma velocidade recorde. Em poucas horas, Pinheirinho havia deixado de existir para se tornar um símbolo.
A reintegração do Pinheirinho deixa várias lições. Mostra de forma contundente uma Justiça e um governo comprometidos com a especulação imobiliária. Revela uma polícia brutal contra os pobres. E mostra uma imprensa monopolizada e financiada pelas grandes empreiteiras através de anúncios e para quem mobilização popular, resistência e partidos de esquerda ainda são sinônimos de crime e vandalismo.
PS: Não citamos a revista Veja pois procuramos nos deter nos exemplos de veículos jornalísticos.
Mas para a retaguarda da Tropa de Choque, os trabalhos estavam apenas começando. A chamada grande imprensa, com honrosas exceções, volta agora suas armas aos ex-moradores e às lideranças da ocupação, em uma ação orquestrada de criminalização do movimento por moradia. Em uma linguagem macartista que faz lembrar a famigerada Doutrina de Segurança Nacional dos tempos da ditadura, setores da mídia culpam supostas lideranças ‘radicais’, em especial o PSTU, pela violência que marcou a operação de despejo.
Em editorial publicado no dia 26 de janeiro intitulado ‘Operação Pinheirinho’, o jornal Folha de S. Paulo faz uma incrível inversão dos fatos para atribuir ao partido a violência cometida contra os moradores. Segundo o jornal ’à frente da ocupação - uma favela com cerca de 6.000 pessoas – encontravam-se militantes esquerdistas vinculados a organizações sindicais e ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU’. Mais à frente, o editorialista sentencia: ‘não há dúvidas de que esses líderes desejavam o confronto. Não interessam ao PSTU soluções reais para as carências habitacionais dos pobres’.
Argumento semelhante foi utilizado pelo colunista Elio Gaspari no dia anterior. No artigo ‘Pinheirinho a estratégida da tensão’, o articulista acusa uma suposta ‘intransigência’ do movimento dos moradores do Pinheirinho em negociar a compra do terreno com os proprietários. Editorial do Estado de S. Paulo, o segundo maior jornal do estado, também acusa o PSTU de forma semelhante. Segundo o jornal, o PSTU “que prega a substituição do Estado capitalista pelo " marxismo revolucionário" (sic) apostaria no confronto com a polícia como forma de obter vantagem política.
Ataques com o mesmo conteúdo foram reproduzidos em vários outros veículos país afora, tanto na mídia impressa quanto televisiva ou na Internet. O Jornal Nacional chegou a afirmar que existia uma ‘Cracolândia’ no Pinheirinho.
Os fatos sonegados
Desde de seu início, em 2004, a ocupação do terreno que mais tarde viria a ser o Pinheirinho contou com o apoio incondicional do PSTU, assim como de outros movimentos sociais e sindicatos, principalmente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. E, desde aquele momento, a luta principal das centenas de famílias sem-teto foi a regularização do terreno e a desapropriação da área para a construção das moradias. Não o confronto com a polícia.
Inúmeras campanhas e atos públicos contra as sucessivas liminares de reintegração expedida pela Justiça foram organizados, assim como reuniões com a prefeitura, o governo do Estado e Federal, a fim de se chegar a uma solução para o caso. O que a imprensa não faz questão de informar é o fato de que, em meados de 2011, pouco antes de a juíza Márcia Loureiro ressuscitar uma liminar de seis anos antes e mandar a polícia despejar os moradores, as negociações para a regularização da área já estavam avançadas. Mas para certos jornais, isso não existiu. Centenas de famílias simplesmente brotaram da terra, ‘invadiram’ um terreno particular e agora resistiam a uma ordem da Justiça.
As imagens da pequena tropa improvisada com barris cortados, capacetes de motoclicista e pedaços de pau rodaram o mundo. O que boa parte da imprensa chamou de ‘incitação à violência’ de radicais era, na verdade, a intenção legítima dos moradores defenderem suas próprias casas, fruto de oito anos de trabalho. E para isso trabalhadores como pedreiros, carpinteiros, catadores de lixo e donas de casa se viram obrigados a se travestirem de verdadeiros guerreiros. Pinheirinho foi comparado a uma Sparta moderna ou uma Canudos do Século XXI. Mas essa imprensa não concebe a possibilidade de os trabalhadores se levantarem e defenderem seus direitos. Isso é “vandalismo”.
No fatídico dia da desocupação, os principais veículos de comunicação só chegaram ao local após a enorme repercussão que o caso começou a tomar nas redes sociais. A enorme e desesperada campanha da semana anterior contra a ordem de reintegração, posta em marcha pelo PSTU e diversos outros partidos como o PSOL e parlamentares do PT, assim como sindicatos e movimentos sociais, foi solenemente ignorada.
Até mesmo a imprensa internacional se assustou com o descaso da mídia tupiniquim ao massacre que se desenrolava em São José dos Campos. O britânico Guardian chegou a destacar em matéria sobre a desocupação que ‘durante todo o dia, a mídia corporativa do Brasil, que tem ligações históricas ao partido no poder, tanto em nível estadual e local, relatou a história em tons suaves manchetes destacando uma van incendiada enquanto relevava as casas das pessoas em chamas’.
A censura seletiva da PM e da prefeitura
Durante a ação de reintegração, enquanto a Polícia Militar cometia os mais diversos abusos contra os moradores, a imprensa era impedida de se aproximar do local onde ocorriam os confrontos. Ao não ser a TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba. Com colete à prova de bala usada em situações de guerra, a repórter teve acesso exclusivo à ocupação no momento em que os policiais invadiam o terreno. As imagens trazem à mente os repórteres ‘embutidos’ (embedded) que ficaram polêmicos no Iraque ao atuarem como uma espécie de porta-voz dos marines direto do front.
Por incrível que pareça, tal censura em meio a uma verdadeira crise humanitária não causou maiores indignações à dita grande imprensa. Assim como a restrição imposta pela prefeitura para a entrada de repórteres nos precários abrigos públicos em que os moradores desalojados eram amontoados. Dias depois da desocupação, a PM finalmente permitiu que os repórteres conferissem a situação no Pinheirinho. Mas devidamente acompanhados e proibidos de conversarem com os moradores, como fazem ditaduras em situações de conflito. E tudo parecia normal.
Os grandes jornais que se gabam de seu ‘jornalismo investigativo’, aliás, nem se deram ao trabalho de procurar saber como um terreno público que deu origem ao Pinheirinho foi grilado para depois parar nas mãos do megaespeculador Naji Nahas.
As redes sociais e da imprensa alternativa
Se o crime cometido contra o Pinheirinho ganhou toda essa repercussão, causando uma comoção em todo o país e até fora dele, foi por causa das redes sociais e do trabalho de jornalistas independentes e ativistas solidários aos moradores. Imagens das agressões gratuitas da Polícia Militar só viraram notícias após serem amplamente divulgadas pela Internet. Foi através da cobertura alternativa aos grandes meios que os moradores puderam dar sua voz. Foram os ativistas que filmaram o momento em que, por exemplo, a PM atacava os próprios abrigos da prefeitura, transformados em verdadeiros campos de concentração.
As imagens e relatos divulgados pela rede desmoralizaram o comando da Polícia Militar, o prefeito Eduardo Cury e o próprio governador Geraldo Alckmin, em sua versão de que a reintegração de posse havia se dado de forma “pacífica”. E foi através desses meios por fora do mainstream que se estabeleceu uma verdadeira rede de indignação e solidariedade aos moradores. Atos públicos foram organizados em várias regiões em uma velocidade recorde. Em poucas horas, Pinheirinho havia deixado de existir para se tornar um símbolo.
A reintegração do Pinheirinho deixa várias lições. Mostra de forma contundente uma Justiça e um governo comprometidos com a especulação imobiliária. Revela uma polícia brutal contra os pobres. E mostra uma imprensa monopolizada e financiada pelas grandes empreiteiras através de anúncios e para quem mobilização popular, resistência e partidos de esquerda ainda são sinônimos de crime e vandalismo.
PS: Não citamos a revista Veja pois procuramos nos deter nos exemplos de veículos jornalísticos.
Publicado originalmente no sítio do PSTU