quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Honduras, trabalhadores demitidos e quase grávidas

Por Leonardo Sakamoto*

O governo golpista que mantém o poder em Honduras é chamado de “interino” por alguns veículos de comunicação, que parecem ter medo de utilizar as palavras certas – demonstrando grande pobreza de léxico ou covardia perante a história. Alguns dos quais chamaram o que ocorreu a partir de 1964 no Brasil de revolução e não falam em ditadura nem que vaca tussa.

Empresas não usam mais a palavra “demissão”. Escondem o ato através de tecnicidades e preferem “descontinuar” trabalhadores. Ou fazer uma inversão marota e lançar a responsabilidade pela ação em cima de quem foi vítima na história. Durante a paranóia gerada pela crise, empresas usaram expressões como “pessoas que deixam posições” para se referir ao “povo que levou um pé na bunda”. Se fazem facilmente essa conversão entre o que é ativo e o que é passivo, imagine o que ocorre nos seus balanços…

Há um certo receio em chamar as coisas pelo que elas realmente são. Apesar das leis que o Brasil promulgou e das convenções que ele aderiu falarem de trabalho escravo, há gente que ainda se refere ao crime como “semi-escravidão”. Pesquiso há anos o tema e posso dizer que isso é um disparate tão grande quanto dizer que alguém está “semi-grávido”, “semi-sequestrado” ou foi “semi-estuprado”. Aliás, muita gente tem medo de falar sobre problemas sociais. “Crianças que vivem sob uma dieta calórica baixa.” Quando ouvi essa no rádio dia desses, fiquei pensando se não era mais fácil dizer que a criança era desnutrida. Mas aí a idéia seria entendida pelo público, o que seria péssimo para o político em questão.

Sabe quando alguém nos conta uma piada e ela é tão complexa e demanda outros elementos externos para que possa ser compreendida que a gente acaba não achando a menor graça? Nessas horas, culpamos a pessoa que contou a piada por não fazer isso de forma decente. Por que então muitos brasileiros acham que, ao não entender o que disseram jornalistas, empresários ou funcionários públicos o problema é com quem recebe a informação – que seria burro ou mal instruído – e não com quem a transmite?

Poderíamos cair em uma discussão longa sobre estudos de recepção do discurso, mas a resposta neste caso é simples. É claro que fatores como incompetência, preguiça ou ignorância de quem usa a palavra são importantes. Mas há também a velha má fé. Ou alguém acha que dizer que empregados “deixaram posições” não é algo pensado, burilado por uma longa experiência de lidar com a exploração do trabalho alheio?

Essa seletividade afeta a esquerda e a direta, sem restrições. Para alguns Cuba não é uma ditadura, para outros a oposição venezuelana é democrática…

Sabe qual a semelhança entre uma folha de papel em branco e o ouvido do povo? Ambos suportam qualquer coisa.

*Publicado no Blog Sakamoto
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