quarta-feira, 21 de julho de 2010

Gleba Gorotire: mortos e desaparecidos em mais um conflito fundiário no Pará


Chegam informações por meio de alguns veículos de imprensa regional (1) que um conflito fundiário na gleba Gorotire, na região sul da BR-163, no Pará, teria resultado em dois agricultores mortos e três desaparecidos. Pistoleiros e policiais teriam promovido o despejo de famílias de forma violenta.

Segundo um desses veículos de imprensa, no passado “representantes do Incra estiveram na gleba e emitiram mais de 30 posses aos trabalhadores. Com o documento nas mãos, expedido pelo órgão, esses moradores fizeram financiamentos nos bancos da Amazônia e Brasil do município de Novo Progresso, como o Pronaf”(2). Posteriormente, fazendeiros passaram a ser dizer donos da área.


Segundo os trabalhadores rurais, os fazendeiros contrataram pistoleiros que invadem as residências, derrubam as cercas, destruíram plantações e fazem ameaças de morte. Cinco pessoas que foram ameaçadas pelos fazendeiros teriam sido executadas com vários tiros. Na última semana, dois corpos foram levados para sede do município de Novo Progresso e ainda existem três trabalhadores rurais que estão desaparecidos.

Os moradores da Gleba afirmam que fazendeiros estariam negociando a área com um grupo de estrangeiros pelo valor de 6 milhões de reais. Os assassinatos e desaparecimentos de agricultores teem origem no conflito por área ocupada por 40 famílias por vários anos, em disputa envolvendo fazendeiros sulistas da família Ronska, que se dizem donos de uma vasta região.

O conflito ocorre na região de Castelo dos Sonhos (sul do município de Altamira), localidade que se formou a partir da abertura da BR-163 e de áreas de garimpagem. É uma localidade pertencente administrativamente à Altamira ( a mais de 1.000Km de distância), mas que está próximo ao município de Novo Progresso.

Nesta região e em 2002, era seqüestrado, torturado e assassinado o sindicalista Bartolomeu de Morais, o Brasília. O sindicalista levou doze tiros na cabeça e seu corpo foi encontrado próximo a uma serraria, às margens da rodovia BR-163. Diante do assassinato do sindicalista, a Contag exigiu do então presidente Fernando Henrique Cardoso a investigação do caso pela Polícia Federal e a “... suspensão de todas as titulações e concessões de terras públicas a fazendeiros e madeireiros em áreas onde tenha havido assassinatos de trabalhadores rurais” (3).

A medida era para tentar dar um freio ao processo de invasão de terras públicas por grandes fazendeiros que chegavam a região com a expectativa de asfaltamento da BR-163 e com o deslocamento de grandes madeireiras do norte do Mato Grosso para terras ocupadas por ex-garimpeiros que por falta de alternativa praticavam agricultura.

A morte de ‘Brasília’ foi mais uma morte anunciada de lideranças na Amazônia. Poucos dias antes de seu assassinato, o sindicalista esteve no Distrito Federal e Belém, fazendo denúncias de ameaças que estavam sofrendo os agricultores daquela região e solicitou providências para coibir a violência que vem sendo cometida por parte de fazendeiros e seus pistoleiros, com a conivência da polícia, de Castelo dos Sonhos e Novo Progresso.

Faziam parte da denúncia que um grupo de policiais militares procedentes de Novo Progresso teria prendido 19 (dezenove) trabalhadores rurais, alguns eram posseiros da gleba Gorotire. Mesmo não tendo sido nada comprovado contra essas pessoas, as mesmas passaram trinta e cinco dias presos.

Outra denúncia era contra a juíza da Comarca de Novo Progresso que concedeu liminar de manutenção de posse em favor, de Nilton Albuquerque de Barros e mais oito empresários para gleba Gorotire denominada fazenda "Beeg Vale", uma área ocupada por várias famílias. O fazendeiro Niltom Braga apresentou certidões de justa posse em nome de pessoas residentes em São Paulo que lhe teriam passado procuração para a ação judicial. As certidões de justa posse foram expedidas pelo Incra, todas no mesmo dia. Nessa ocasião o pretenso dono acompanhado de diversos pistoleiros fortemente armados, foram para a área fazer a desocupação à força, mas foram surpreendidos pelos posseiros que prenderam suas armas e as entregaram a polícia, a qual não tomou qualquer atitude (4).

Exatamente um ano depois, em 2003, Joseane Pereira Ferreira, sucessora que encabeçava a luta de Bartolomeu, é assassinada com os mesmos protocolos usados exatamente um ano antes com ele, para dar caráter didático e exemplar aos demais militantes (5).

No ano de 2004, a disputa foi para a esfera judicial. Fazendeiros ligados à família Ronska entram na justiça querendo a reintegração de posse, pois segundo eles são os proprietários de uma área localizada a Gleba Gorotire, área arrecada pelo Incra.

Ao mesmo tempo, a publicação anual da CPT sobre conflitos no campo naquele ano ainda registrava o conflito Gleba Gorotire/Grupo Big Vale (
Conflitos por Terra (2004) - Conflitos por Terra - Ocorrências). Outros relatórios de organizações não-governamentais revelaram o conflito, entre os quais se destacam:


a) Relatório Brasileiro sobre direitos humanos econômicos, sociais e culturais (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, 2002), disponível em http://www.gajop.org.br/publica/rel.pdf;


b) Grilagem de terras na Amazônia: Negócio bilionário ameaça a Amazônia (Greenpeace, 2005), disponível em www.greenpeace.org.br/amazonia/pdf/grilagem.pdf;


c) Especial Belo Monte: Grilagem de terras, exploração predatória da madeira e projeto de hidroelétrica de Belo Monte. (Instituto Socio-Ambiental, s/data.), disponível em www.socioambiental.org/esp/bm/genebra.html

Apesar de todas essas denúncias, a resposta do Estado para a região foi alguns assentamentos de papel e madeira (veja em
www.prpa.mpf.gov.br/noticias/2007/acao%20incra%20sectam.pdf)
e agora a Lei 11.952/2010 para a regularização fundiária de posseiros e grileiros, num nivelamento que esse conflito exemplar e tragicamente mostra sem cabimento.

A disputa judicial com a família Ronska se arrasta há anos, e em 2010 a justiça deferiu uma liminar favorável aos fazendeiros. A associação dos agricultores tinha decido recorrer da decisão, pois nenhum morador ou associado foi ouvido. Agora, pistoleiros realizaram o despejo com vítimas fatais e desaparecidas.


Os membros da associação pedem a presença da Policia e Governo Federal no local e das autoridades responsáveis do estado para que possam conhecer a verdadeira realidade das famílias que ali residem.


Referências:
(1) “Tiroteio entre fazendeiros e produtores mata dois” disponível em http://notapajos.globo.com/lernoticias.asp?id=34719&noticia=Tiroteio%20entre%20fazendeiros%20e%20produtores%20mata%20dois;

(2) “NOVO PROGRESSO-PA - Conflito Agrário leva vidas e Propriedades são destruídas” disponível em
http://folhadoprogresso.com/folha/modules/smartsection/item.php?itemid=802


(3) “Contag exige que a PF investigue assassinato” disponível em http://www.sindicatomercosul.com.br/noticia02.asp?noticia=4756


(4) “Nota Pública de entidades sociais de Altamira sobre o assassinato do líder sindical Bartolomeu Morais da Silva” disponível em http://www.amazonia.org.br/guia/detalhes.cfm?id=17899&tipo=6&cat_id=43&subcat_id=183


(5) Torres, Maurício. Fronteira, um eco sem fim: Considerações sobre a ausência do Estado e exclusão social nos municípios paraenses do eixo da BR-163. In.:Amazônia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163. Organizador: Maurício Torres.Brasília: CNPq, 2005. Disponível em http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/Livros%20inteiros/Amaz%c3%b4nia%20Revelada.pdf
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