domingo, 18 de julho de 2010

Sócrates: "Imagina a Gaviões da Fiel politizada! Esse é o grande medo do sistema"

Confira a entrevista concedida por Sócrates ao Sintrajud-SP (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Estado de São Paulo), pouco antes do início da Copa do Mundo.



Carlos Eduardo Batista e César Lignelli, do Sintrajud

Como você está vendo a organização da Copa do Mundo aqui no Brasil daqui a quatro anos?
Sócrates: Aqui no Brasil, ainda não há organização nenhuma, pelo que eu saiba. Na verdade, existe uma desorganização dirigida para que os investimentos que sejam alocados nas obras não passem por licitações, então estão protelando o máximo possível para que isso ocorra.
Você acha que é intencional?
É claro! Isso aconteceu no Pan-Americano, acontece sempre. Quanto mais demorado melhor, porque aí tudo é feito a toque de caixa, e a toque de caixa tem situação emergencial que vale a pena para desviar alguma coisa.
Você acha que a exclusão do Morumbi como um estádio da Copa tem a ver com isso?
Não tenho dúvida. Eles querem construir um outro estádio. Desde o começo estava na cara, criaram todo tipo de dificuldade. E acho que o São Paulo fez certo, fazer um investimento de 700 milhões no Morumbi? É mais fácil o São Paulo construir outro estádio.

Você acha que o interesse é mais econômico ou político?
É para-econômico. Não é nem econômico. Economicamente não poderíamos escolher Manaus em vez de Belém. Cuiabá como sede, onde eles vão ter que construir o estádio para depois ficar parado, Brasília a mesma coisa, Natal a mesma coisa. É não é interesse econômico. É desperdício de dinheiro. Desperdício econômico. É para-econômico, para desviar verba.
Você não vê o fato de o São Paulo ter encabeçado uma chapa de oposição na eleição do Clube dos 13 como um elemento para a exclusão?
Não, isso vem lá de fora. Todos os estádios vão ser reformados. Alguns com um custo absurdo. Deve ser a quinta ou sexta vez que fazem reforma no Maracanã nos últimos três anos. O Minerão também. Vão construir outro na Bahia. Entendeu? É pro dinheiro andar. Andando o dinheiro alguém tá ganhando. Seja quem constrói, quem administra. O único que não ganha é o povo.
Você sempre diz que atualmente o futebol tem mais força do que arte. Você acha que a Copa de 1982 foi um marco na consolidação do esporte como está hoje?
Não existe um divisor aí. O que ocorre é uma falta de adaptação do futebol com a evolução física dos atletas. A questão não é só filosófica, claro que isso faz parte do processo. Mas ela é muito mais dependente da questão física. Inclusive na minha tese de mestrado, seria nove contra nove, tirar dois jogadores de cada time. Quer dizer, você resgatar os espaços que tínhamos há anos atrás. Então vão ter que jogar. Hoje tem gente que se esconde. Você pega um back central da vida ai que não sai do lugar. A única coisa que ele faz é chutar a bola pra frente, pro lado, isso não é jogar futebol. Com nove contra nove, o back central vai ter que saber jogar. Não só ele, todos vão ter que saber jogar, porque a bola vai correr.
Na verdade o futebol é um dos poucos esportes que não se adaptou a essa evolução. Imagine uma prova de atletismo, 100 metros, hoje, com cronômetro manual... Iria dar empate para caramba. Ou 50 metros na piscina. Tem que se adaptar a isso. E futebol não mudou nada. Não quer mudar. Nem tecnologia se utiliza para se dirimir as dúvidas de arbitragem.
Você não acha que essa não adaptação beneficia maus jogadores, que mesmo não tendo tanto talento, mantêm contratos milionários?
Hoje, na verdade, se nivelou o futebol. Um ou outro jogador que se destaca, que tem mais técnica, mais talento. Na verdade, todo mundo privilegia o físico hoje e é isso que impera no futebol. Seja na seleção de Honduras, você comparar com a seleção da Inglaterra. Você vê as equipes que se classificaram, tem time que nunca passou para a segunda fase e tem um monte na segunda fase, tá tão igual.
Como foi a democracia corinthiana?
Uma sociedade que decidia tudo no voto e a maioria simples levava vantagem nas decisões, absolutamente democrático. O roupeiro tinha o mesmo peso de voto de um dirigente.
Como a direção do time reagiu? Não só a direção, mas os patrocinadores, o Leão quis dar uma pernada?
O Leão não dava pernada em ninguém, ele nunca votou ué. Um voto nulo, em branco. Se você não quer participar de uma sociedade você não vota e agüente a decisão da maioria. A direção participava, um voto era da direção do clube e não tinha patrocinador, nessa época não tinha essas coisas.
Esse foi um dos poucos momentos em que o futebol cumpriu um papel mais positivo politicamente?
Na verdade cumpriu um papel importante nesse processo de redemocratização, porque o processo corintiano começou dois anos antes da grande mobilização das Diretas Já! Acho que foi um fator importantíssimo na discussão da realidade política brasileira. Você está dentro de um meio extremamente popular, com uma linguagem que é acessível a todo mundo está discutindo uma coisa que há muito tempo ninguém ou muita gente jamais teve a possibilidade de efetuar, que era o voto. Foi importantíssimo. Igual a isso eu não conheço nada parecido no futebol.
Você acha que o futebol pode cumprir um papel mais progressivo?
Claro. E esse é o grande medo do sistema. Você imagina a Gaviões da Fiel politizada. Né!? Você tem mobilização já pronta, você tem palco, duas vezes por semana, para exercer o seu direito, a ação política, só falta a politização.
Falta organização política para os jogadores?
Falta consciência! Falta... Por isso o sistema deseduca esses caras. Em vez de educar, faz de tudo para o cara não adquirir uma consciência social, política, porque esse é o mais importante. Ele é mais ouvido que o Presidente da República, esse cara pode mudar o país. Uma das brigas que eu tenho é “por que não educar esse povo, se é obrigação do Estado educar todo mundo?”. Pelo menos esse povo tem que ser educado. Agora mesmo, fui para a África do Sul, uma campanha pró-educação, inclusive com iniciativa da Fifa, com chancela da ONU, Educação Global, que é uma das metas do milênio, até 2015 pôr todas as crianças na escola. Então, no caso da Fifa, ponha primeiro os jogadores. (risos)
Você acha que o Estado deveria cumprir um papel mais importante na gestão do esporte?
É claro! Mas ninguém quer mexer muito nisso. Ninguém quer mexer, porque é um vespeiro. Mas deveria. Particularmente o futebol no Brasil é um negócio, como outro qualquer. Por que o Estado não tem controle sobre isso. Ele usa todos os símbolos nacionais, hino, bandeira, até a alma do brasileiro ele usa.
Você acha que o Estado deveria intervir para tentar segurar os jogadores no Brasil?
Já existe legislação para isso. O trabalho infantil ele é penalizado. Mas como você vai evitar que uma criança se transfira para outro país dentro das condições legais, quer dizer, arrumam emprego para os pais, os caras sempre fazem aquilo que precisa ser feito. Isso só vai ser educado quando tivermos consciência de que temos que valorizar a ‘commodite’ que temos em mão. Que é a qualidade do jogador brasileiro, o talento do jogador brasileiro. Em vez de vez vender o artista, tem que vender a obra dele. Quando a gente começar a vender a obra dele, a gente vai ter muito mais riqueza. Um bom exemplo é o Ronaldo. O Ronaldo é um cara que vale ouro, que veio pra cá e está ganhando o mesmo que estava ganhando lá, ou mais.
Então é possível sim, mas é uma mudança de mentalidade. Na verdade o futebol brasileiro vende seu artista porque também é uma forma mais fácil de se manipular os recursos. Nem todo dinheiro que saí de lá chega aqui, no meio do caminho tem muita gente intermediária.
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