Futuro ministro da Ciência e Tecnologia no governo Dilma, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) defendeu nesta sexta-feira (17), no Instituto de Economia da Unicamp, em Campinas (SP), tese de doutorado sobre a política econômica do governo Lula. Depois de quatro horas de debates, a tese de 519 páginas foi aprovada, mas recebeu críticas da banca, formada pelos economistas Delfim Netto, Luiz Carlos Bresser Pereira, Ricardo Abramovay e João Manuel Cardoso de Mello.
A defesa da tese foi presenciada por cerca de 300 pessoas – duas centenas espremidas num auditório lotado, e mais cem, por meio de um telão, num espaço anexo. Mercadante, que se desligou da Unicamp na década de 90 sem concluir o doutorado, pediu reingresso na universidade no final de 2009, um procedimento previsto pelo regimento interno.
Sua tese defende a ideia de que o governo Lula estabeleceu um novo modelo de crescimento econômico, o “neo-desenvolvimentismo”, diferente do “nacional-desenvolvimentismo”, que vigorou na década de 70, e do neoliberalismo, a partir dos anos 90. Este novo modelo, disse, se construiu a partir do primado da política social sobre a econômica.
Dizendo-se à vontade para defender o governo Lula na universidade, depois de fazer isso por oito anos no Senado, Mercadante desfiou dezenas de números e estatísticas sobre o desempenho da economia nos últimos oito anos, enalteceu a política externa e detalhou as diferentes políticas sociais do governo, nas áreas de saúde, educação e previdência.Empolgado, falou por quase uma hora, o dobro do tempo que lhe foi concedido. Em algumas passagens, a apresentação de Mercadante lembrou a propaganda da então candidata Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral.
Delfim Netto não perdoou. Começou sua arguição logo provocando: “Sua história é muito boa, Aloizio”, disse. “Mas há alguns exageros”, apontou, provocando gargalhadas da plateia, formada basicamente por alunos e professores da Unicamp.
Delfim lembrou que as premissas desta política econômica “inclusiva” do governo Lula estão dadas pela Constituição de 1988 – apenas não haviam sido colocadas em prática, disse, pelos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC.
“Fidelidade tribal a Lula”
Conselheiro econômico do governo (“Tenho fidelidade tribal, inexplicável, ao Lula”, afirmou), Delfim questionou a avaliação de Mercadante sobre a política econômica do governo FHC. Segundo a tese, os tucanos teriam se submetido ao chamado “Consenso de Washington”, que ditou as regras de uma política econômica neoliberal.
“O governo Fernando Henrique não usou Consenso de Washington nenhum”, disse Delfim. “O governo sabia que 30% dos problemas são insolúveis e 70% o tempo resolve”, completou, arrancando mais gargalhadas.
Delfim criticou a política cambial do governo Lula e o crescimento muito modesto do volume de exportações em relação ao PIB do país no período. “Do ponto de vista externo, não fizemos nada”, observou Delfim, usando a primeira pessoa do plural. “Nossa política monetária também não foi muito melhor que a do Fernando Henrique”, criticou. “Houve conservadorismo na política monetária”, concordou Mercadante.
“Nesta história tenho lado”
Em sua réplica a Delfim, Mercadante fez menção às “ironias” do economista e rechaçou a crítica sobre os exageros de sua defesa do governo. “Nesta história tenho lado”, disse, defendendo a ideia de que não é necessário dissociar “razão de emoção” mesmo num trabalho acadêmico.
Bresser Pereira, autor do termo “neo-desenvolvimentismo”, adotado por Mercadante, elogiou a tese, mas criticou a falta de um debate teórico no trabalho. O economista criticou as falhas do governo Lula na área de gestão, um problema também apontado por Delfim. E igualmente lamentou a ausência de críticas à política cambial, “claramente um fracasso deste governo”.
A economista Maria da Conceição Tavares, que também faria parte da banca, não compareceu. Enviou um bilhete, elogiando o trabalho do “discípulo” e aprovando a tese central do trabalho: “O novo desenvolvimentismo não se parece nada com o nacional-desenvolvimentismo”, disse, em sua mensagem.
“Um trabalho de combate”
Único professor da Unicamp na banca, João Manoel Cardoso de Mello elogiou o “aluno” Mercadante e aprovou o viés político da tese. “Não vejo nenhum problema em ser um trabalho de combate”, disse, defendendo-o das ironias de Delfim Netto.“O trabalho se equilibra bem entre a apologia do governo e o diálogo imaginário dos opositores”, disse. “Fernando Henrique se achava o Juscelino (Kubitscheck), mas se revelou um (Eurico Gaspar) Dutra”, afirmou, sendo aplaudido pela plateia.
João Manoel também mencionou as “barbeiragens terríveis da política monetária” do governo Lula, não tratadas na tese. Criticou o tamanho do trabalho e lamentou que Mercadante não tenha feito uma reflexão sobre o futuro. “Acho que faltou olhar para frente”, disse.
Na plateia, muitos estudantes acompanharam o debate de pé ou sentados no chão. Convidados a assistir no espaço anexo, pelo telão, não se moveram. “É igual ver jogo da Copa. Você prefere ver ao vivo ou pela tevê?”, perguntou o estudante Diego Santiago Lopez. Diante do espanto de seus colegas, rapidamente se corrigiu: “Quer dizer, jogo de Copa é muito melhor que defesa de tese”. Verdade inquestionável.
Fonte: Uol
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