Por Leonardo Sakamoto*
Passamos horas na sala de embarque do aeroporto esperando Godot. E Godot parece nunca chegar.
Nessas horas, tenho a certeza que a Infraero resolve economizar até no ar condicionado.
A espera, o calor… O tumulto, o calor… A desinformação, o calor… A fome, o calor… Lembro quando, anos atrás, durante o ápice do caos aéreo, rolaram tapas entre passageiros e funcionários, entre passageiros e passageiros. Um funcionário-descontrolado chegou a tomar o celular de uma repórter-passageira que registrava um coronel-suado dando explicações. Sobre o que? Na época, não deu para ouvir. Muita gente…
Cansei de contar o número de vezes, nos últimos anos, em que me lasquei por conta dos grandes ou pequenos momentos de caos. Muita gente ao meu lado jogou videogame, Sudoku, navegou na internet, cochilou, namorou, comeu, reclamou, esperando Godot. E Godot nem tchum.
Paralelamente ao nosso desalento, pudemos constatar, o quanto a situação de aeroviários e controladores de vôo é desesperadora, com jornadas de trabalho que extrapolam o limite da regulamentação da profissão, sob imposição de pesado estresse e sofrendo pressão do patrão, de um lado, e dos passageiros, de outro. O setor cresce economicamente, nada mais justo que a remuneração também. Mas não é bem assim. (Como não estamos mais nos primórdios da revolução industrial, não faz mais sentido jogar tamancos – do francês, sabots – nas engrenagens para paralisar a produção e se fazer ouvir. Há formas mais modernas, mas com o mesmo efeito. A idéia da paralisação e da grave também é essa.)
Começam a chamar uma possível paralisação de aeroviários de terrorismo. Terrorismo não é parar de trabalhar. Terrorismo é fazer a população ficar contra um grupo de trabalhadores, enquanto se encobre as incompetências do setor privado, que cresce e não quer gastar para se adaptar a essa nova realidade, e do poder público, que acumulada inação na área por vários presidentes da República.
Durante anos, a “modernização” do sistema aéreo esbanjou dinheiro em piso de granito de aeroportos. À medida em que o capital fixo crescia (o visível, porque radar para eliminar “ponto cego” nem pensar), o capital variável (salários) continuava insuficiente para o nível de exigência das profissões.
Apóio os aeroviários e os controladores de vôo. Apóio os cobradores e motoristas de ônibus. Apóio os bancários e metalúrgicos. Apóio os garis. Apóio os residentes médicos. Apóio o santo direito de se conscientizarem, reconhecerem-se nos problemas, dizer não à exploração e entrar em greve até que a sociedade pressione e os patrões escutem.
Mesmo que isso torne minha vida um absurdo.
Mesmo que Godot nunca chegue.
*Publicado originalmente no blog do Sakamoto
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