Li agora a pouco no blog dos “Pesquisadores da Unicamp no Haiti” a “política de ajuda humanitária” da embaixada do Brasil no Haiti para os brasileiros civis que lá estão (Veja em Nossa embaixatriz: notas sobre a atuação diplomática). Fico imaginando que se a diplomacia brasileira se comporta assim diante de brasileiros bem escolarizados e informados, o que será feito com o povo haitiano? As declarações da embaixatriz do Brasil no Haiti é a coroação das barbaridades que estão sendo cometidas, mais uma vez. Contudo, em matéria de barbaridade a lista é grande, mas elas também são ilustrativas e educativas.
Ontem, desde o início da tarde, a Globo fazia chamadas para uma matéria onde a correspondente Lilian Teles teria acompanhado o resgate de uma mulher soterrada em Porto Príncipe. Ao final do Jornal Nacional, a reportagem começa com Lílian “desfilando” por Porto Príncipe com carros da Onu acompanhada de soldados brasileiros, todos com fuzil na mão apontando para o povo. A velocidade do carro quase põe abaixo o “furo jornalístico”. Alguém corre atrás do carro pedindo ajuda. Lílian pede que parem o carro, única razão para o automóvel realmente parar. Os soldados, todos armados, vão até os escombros e constatam o que os haitianos que ali estavam já sabiam: havia alguém vivo ali. Os soldados não largam os fuzis nem mesmo para pegar na mão da mulher, uma enfermeira soterrada sobre aquilo que fora um hospital. Eles não têm pás ou outros equipamentos, mas continuam a segurar os fuzis e a empurrar os haitianos que lá estão para que as câmeras da Globo continuem a registrar a “emoção” da repórter e a “solidariedade” do soldado brasileiro. Há um corte na reportagem e logo em seguida se vê bombeiros, sabe-se lá da onde, pois a matéria não fala, retirando os escombros. A mulher já aparece com o corpo semi-soterrado. Novo corte: Lílian já está na base brasileira, longe dos escombros e explica que não pode ficar até o fim do resgate, pois não daria tempo de voltar antes de escurecer. Antes anuncia que o circo deve continuar, pois a mulher foi trazida para a base brasileira e lá a repórter irá procurá-la para um “emocionante encontro”.
Ainda ontem, ao regressar do Haiti, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse a imprensa que chamar os brasileiros ainda não encontrados de desaparecidos é um “eufemismo”, já que todos devem estar mortos. Os familiares destes militares devem está chocados diante de tamanho “compromisso” do chefe-maior das forças armadas de nosso país. E os haitianos desaparecidos, terão a mesma "dedicação"?
Soma-se ainda as declarações preconceituosas e oportunistas do Cônsul do Haiti em São Paulo que disse que o terremoto era bom para ele, pois assim o país se tornava conhecido e que a culpa era da “macumba” praticada pelos africanos (Veja em Desgraça é boa para nós, diz cônsul). Preconceitos, não tão explícitos, também estão em várias matérias que “explicam” que muitos corpos estão na rua devido a uma “tradição vudú” e que os haitianos cantam porque já estão “acostumados com as tragédias”.
É lamentável que a maior tragédia natural a atingir o Haiti esteja acompanhada de uma tragédia de desumanidade tão grande da mídia e de governantes.
Contudo, isso me parece ser apenas a ponta do iceberg de algo muito pior: o governo Lula está tratando a tragédia como uma “oportunidade” do país se “consolidar”, tanto que o Brasil está disputando a coordenação da “ajuda humanitária”; boa parte dos recursos que estão sendo doados por estados, instituições e pessoas deverá ser canalizado para a a ONU manter tropas no país a longo prazo, ampliando estas forças com a desculpa de “reconstrução do Haiti”; a cobertura da mídia reforça a idéia que as tropas estrangeiras estavam no país para “ajudá-lo”, mentira facilmente desmontada pela ausência de tratores e outras máquinas no país e pelo farto material bélico que se vê pela TV, e só repete os preconceitos racistas e classistas contra o lutador e heróico povo negro haitiano.
sábado, 16 de janeiro de 2010
3 Comentários
3 comentários:
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Bom post de qualidade
- 18 janeiro, 2010
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Bom post, sem dúvidas. Mas nao posso deixar de te avisar que deve ter passado sem que percebas..., o correto no terceiro parágrafo é: ``devem estar``.
- 18 janeiro, 2010
- Cândido Cunha disse...
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Obrigado pela correção, já devidamente feita.
- 18 janeiro, 2010
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