A matéria é de 03 de setembro de 2007 e revela o que realmente o Brasil, ou melhor, o governo Lula, estava fazendo no Haiti.
ADRIANA STOCK*
A Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), liderada pelo Brasil, "é uma força de ocupação, e não humanitária, que está validando os abusos de direitos humanos no país caribenho e contribuindo para um estado de permanente repressão".
A dura crítica às forças das Nações Unidas foi incluída no relatório do conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro Aderson Bussinger que será entregue nesta semana ao Conselho Federal da ordem.
Bussinger, que esteve no Haiti no fim de junho, recomenda no relatório que o governo brasileiro retire as suas tropas do país. O advogado conta que se reuniu com o comandante da Minustah, general Souza Cruz, para apresentar as denúncias de abusos, mas que o militar teria responsabilizado apenas a polícia haitiana.
Durante o encontro, Bussinger perguntou qual o trabalho social que a Minustah estava fazendo e Souza teria dito "que eles tinham tentado cavar alguns poços de água".
"A missão não faz nada de humanitário. Não ajuda a construir escolas ou hospitais. É só uma força de intervenção militar", criticou o advogado.
Bussinger esteve no Haiti como representante da OAB federal e integrou uma delegação de sindicatos, pastorais e outras associações da sociedade civil que viajou ao Haiti com o objetivo de observar as condições sociais e de direitos humanos no país.
"Ainda estou abalado com o que vi no Haiti", desabafou o advogado à BBC Brasil.
Além da miséria que assola a população (80% das pessoas não têm luz, segundo Bussinger), o que sensibilizou o advogado foram as denúncias de violações de direitos humanos que ele recebeu.
"As principais reclamações são de abusos da polícia nacional do Haiti. São agressões, desaparecimentos de pessoas, casos que não foram ainda elucidados, muita violência na entrada dos bairros populares, muitas denúncias de espancamentos", afirmou.
A Minustah estaria contribuindo para essa situação ao "atuar em conjunto com a polícia", de acordo com o relato do advogado.
"A Minustah atua dando retaguarda para a polícia nacional. A polícia entra agredindo, e a Minustah entra depois como suporte. Mas também recebemos denúncias sobre agressões dela."
O representante da OAB conta que testemunhou a polícia agredindo um grupo na rua sob observação dos soldados da ONU.
"A Minustah está validando o abuso de direitos humanos no Haiti", observou o advogado.
"É comum escutar a frase: a polícia mata, e os blindados da Minustah carregam os corpos."
"A minha conclusão é que a missão da ONU não tem nada de humanitária. É uma missão de muita violência e agressão", afirmou o advogado.
Bussinger diz ter recebido denúncias dos sindicatos dos operários de Codevi e do Grupo M, da indústria têxtil e da central sindical Batay Ouvriye. São denúncias de agressões e de repressão, por parte da polícia nacional e da Minustah, ocorridas durante greves e passeatas.
Bussinger diz que também ouviu muitas reclamações de repressão vindas de professores e estudantes.
O representante da OAB relata que há um clima de insatisfação na população pobre.
"Os haitianos adoram o Brasil, mas eles ficam perplexos que o Brasil esteja fazendo esse papel lá."
Já nos bairros mais ricos a situação é outra, segundo o advogado. "Há um outro tipo de tratamento", diz.
Além de Bussinger, o advogado João Luiz Pinaud também entregará o seu relatório sobre a situação do Haiti elaborado após sua visita ao país, também como representante da OAB, em 2005.
Bussinger diz não acreditar que a situação de direitos humanos tenha melhorado entre 2005 e 2007: "Pelos relatórios, não. As denúncias são muito parecidas".
O advogado disse ainda que se encontrou com o presidente do Haiti, René Préval, para falar sobre as denúncias de abusos de direitos humanos.
"O presidente se escondeu embaixo da mesa, debochando, fazendo uma piada", diz Bussinger. "Ficamos perplexos."
O advogado diz que o embaixador brasileiro no Haiti, Paulo Cordeiro, estava presente e que, após o encontro, reclamou que Bussinger "havia exposto o presidente do Haiti a uma situação de constrangimento".
"No final da nossa viagem, o embaixador do Brasil, que havia se comprometido a se reunir conosco, não quis mais se encontrar."
O relatório do representante da OAB será entregue ao presidente nacional da entidade, Cezar Britto, nesta semana.
"É um documento contrário à participação do Brasil nas forças da Minustah", conclui Bussinger. "O que o Haiti precisa é de presença humanitária, de apoio de médicos e professores, e não de uma intervenção militar", concluiu Bussinger.
*Fonte: BBC Brasil, em Nova York
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