terça-feira, 7 de setembro de 2010

Pará: Para entender o assassinato do sem terra

Por Herbert Marcus*

Os fatos mais recentes que levaram ao assassinato do trabalhador rural e militante do MST, José Soares, o Caribé, tiveram início em 2007, quando famílias de sem terra ocuparam parte da área da Fazenda Cambará, para reivindicar a criação de um projeto de assentamento na área.

A fazenda, denunciava o MST à época, estava situada em terra pública federal, na Gleba Pau de Remo, em vias de grilagem pelo fazendeiro e ex-deputado federal Josué Bengtson.Segundo informações do Incra, a Gleba Pau de Remo, localizada no município de Santa Luzia do Pará, passou por processo discriminatório de arrecadação de terras devolutas no ano de 1982. As matrículas em nome da União estão registradas em cartórios das comarcas de Ourém e de Viseu, perfazendo um total de quase 85 mil hectares de área arrecadada.

Em 2007, a pedido do movimento social, o Incra fez uma vistoria na área, com a anuência do pretenso proprietário, que afrmava possuir mais de 6 mil hectares da Gleba Pau de Remo, mas que apresentou ao órgão fundiário um título incidindo sobre 1.500 hectares.

A vistoria, permitida somente nesses 1.500 hectares, constatou que a área pretendida pelo ex-deputado federal era quase quatro vezes maior que a apresentada no título, concedido pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa), em 1994, em data posterior à arrecadação da gleba.

O ex-deputado alegou que estava solicitando ao Iterpa a regularização do restante do imovel.

Com a realização da vistoria e no aguardo das ações do Incra, as famílias se comprometeram a deixar o imóvel e acamparam às proximidades. Foi aí que começaram as ameaças e intimidações feitas por seguranças armados da fazenda, comandados pelo filho do fazendeiro, Marcos Bengtson.

De 2007 até o assassinato de Caribé, foram várias as formas de intimidação feitas pela família Bengtson, sempre seguidas de denúncias pelo MST. Ao mesmo tempo em que ameaçava, a família Bengtson acionava a Vara Agrária de Castanhal em busca de uma liminar de reintegração para garantir a posse da área.

Em 2009, a Vara Agrária de Castanhal concedeu a liminar, apesar de não ter competência para tal e do pedido do Incra para que fosse suspensa. A liminar foi cumprida pela Polícia Militar, em 2010, em uma ação juridicamente duvidosa, que gerou mais uma denúncia do MST e de entidades de defesa dos direitos humanos e de organizações sociais.

No mesmo dia do despejo das famílias, a liminar foi suspensa pelo Juiz Agrário de Castanhal, a pedido da Procuradoria do Incra, que também solicitou a remessa do processo à Justiça Federal, onde se encontra hoje, já que o imóvel está localizado em terra pública federal arrecadada e matriculada em nome da União.

A partir daí as ameaças e intimidações ficaram mais acintosas, segundo denúncias feitas por lideranças do MST em reuniões realizadas em Santa Luzia do Pará e em Belém, com a Ouvidoria Agrária do Incra e com a Promotoria Agrária de Castanhal.

A situação de insegurança no acampamento, criada pela ação de seguranças armados da fazenda já prenunciava o final trágico do conflito agrário.Todas as denúncias foram encaminhadas para diversos órgãos envolvidos na questão: Incra, Defensoria Agrária de Castanhal, Delegacia do Interior, Promotoria Agrária de Castanhal, além de outros, sem que nada de concreto fosse feito.É esperar agora que o assassinato do trabalhador leve à solução de uma questão que se repete como tragédia na interminável novela da reforma agrária brasileira.

*Publicado originalmente no blog Terra e Poesia.

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