Bastou o governo federal acenar com a possibilidade de cumprir a legislação e rever os índices de produtividade das propriedades rurais para que a bancada ruralista, no senado e na câmara dos deputados, saísse em gritaria uníssona de que querem roubar a terra de quem trabalha.
Das duas uma: ou de fato o agronegócio não tem a produtividade que diz que tem ou os grandes capitalistas do campo, por questão ideológica, simplesmente não querem ceder parte de suas glebas.
Mas antes de nos perdermos em debates estéreis sobre quem trabalha e quem não trabalha no campo, sobre que tipo de propriedade (se pequena, média ou grande) é mais produtiva, seria bom estabelecermos afinal quantas são as propriedades rurais que seriam afetadas com a revisão dos índices de produtividade que é apenas um dos critérios para a desapropriação de terras.
O Atlas da questão agrária, lançado no primeiro semestre deste ano, resultado de tese de doutorado do geógrafo Eduardo Girardi, mostra que “Em 2003, os pequenos imóveis, com tamanho médio abaixo de 200 hectares, representavam 92% do total de propriedades, mas ocupavam apenas 28% da área agrária. As propriedades de médio porte, de 200 a 2 mil hectares, respondiam por 6% do total de imóveis e 36% da área. Já aquelas acima de 2 mil hectares, embora não chegassem a 1% do total, ocupavam 35% da área do setor”.
A legislação brasileira proíbe desapropriação de área menor que 15 módulos fiscais (que varia de região para região, mas situa-se, na média, em torno de 500 hectares). Sabendo que existem 3.114.898 imóveis rurais cadastrados no país e aceitando que todas as médias propriedades (acima de 500 hectares e menor que 2000 hectares) cumprem sua função social, restam para desapropriação os imóveis rurais acima de 2000 hectares, que representam menos de 1% do total de imóveis rurais, ou seja, menos do que 30 mil propriedades.
Então a gritaria toda dos deputados e senadores é para defender o “direito de propriedade” de 30 mil privilegiados contra o “direito de propriedade” de mais de 3 milhões de pequenos e médios proprietários e sem terras? Absurdamente é isso. Na democracia dos atuais deputados e senadores 30 mil proprietários são mais donos do Brasil que os outros quase três milhões.
Não entendo nada de índices de produtividade, mas aprendi na escola que democracia é o governo da maioria e não me lembro das minhas aulas de catequese do padre ter dito que quando Deus fez o mundo passou um título de propriedade para Adão e Eva. Ora, se não é direito divino ter uma minoria abocanhando mais de 1/3 das terras no país é direito dos homens e mulheres mudarem essa realidade. A sociedade brasileira se quer deixar para trás o desonroso título de país com o quadro de segunda maior concentração da propriedade fundiária, em todo o planeta (atrás apenas do Paraguai), e caminhar para uma democracia de verdade, precisa dar um basta a estes privilegiados. É urgente que se estabeleça um limite de propriedade e do tamanho máximo da propriedade rural.
*Doutorando em Filosofia pela UNISINOS. Recebido por correio eletrônico.