O Rio Xingu é um símbolo da diversidade biológica e cultural brasileira. Ao longo de seus 2,7 mil quilômetros, ele corta o Mato Grosso e atravessa o Pará até desembocar no rio Amazonas, formando uma bacia hidrográfica de 51,1 milhões de hectares (o dobro do território do Estado de São Paulo). Mais da metade de seu território é formada por áreas protegidas. São 27 milhões de hectares de alta prioridade para a conservação da biodiversidade, abrigando 30 Terras Indígenas, 24 povos com 24 diferentes línguas e 8 Unidades de Conservação da Natureza.
Essa grande riqueza sócio-cultural traduz-se pela presença de 20.776 indígenas, de 24 diferentes povos, alguns vivendo isoladamente, como demonstram estudos antropológicos realizados na região. E cerca de 13.000 extrativistas, remanescentes dos ciclos da Borracha vivendo em 4 Resex e outras áreas da Bacia. Além disso, há milhares de agricultores familiares que ocuparam as margens das Rodovias BR-163 e Transamazônica a partir da década de 70, além de centenas de outros pequenos, médios e grandes fazendeiros.
Diante da importância ecológica, social e cultural desta região, esperávamos que o Ministro de Minas e Energia, Sr. Edison Lobão, tivesse um mínimo de respeito para com os movimentos sociais e os povos da Bacia do rio Xingu. Tratar aqueles que contestam o famigerado projeto de Belo Monte, que diga-se de passagem estão lutando por sua sobrevivência, de “forças demoníacas” demonstra a que ponto o setor elétrico brasileiro desdenha, despreza, desconsidera os povos e comunidades da Bacia Amazônica. Fica claro o desrespeito pelos povos indígenas, milenares habitantes da Bacia do Xingu, vítimas seculares de políticas anti-indigenistas de sucessivos governos. Sr. Ministro Edison Lobão, primeiramente, você precisa conhecer e respeitar os povos da Amazônia, suas culturas e costumes, que evoluíram em íntima relação com as florestas e seus rios.
À partir dos gabinetes de Brasília, vocês planejam esses projetos de grande capital que beneficiam seus grupos de interesse, sem se preocupar e se responsabilizar pelos impactos irreversíveis vividos pelas comunidades locais e seus ecossistemas. Se estamos há mais de 30 anos resistindo à implantação desses projetos de destruição, que saqueiam nossos recursos naturais e trazem miséria e morte aos povos, é porque sabemos que a AHE Belo Monte é inviável tecnicamente, economicamente, socialmente e ambientalmente. É inviável pela transferência compulsória de mais de 20 mil pessoas (número esse que está sendo subestimado, há de se dizer!), o desastre ambiental que será provocado na Volta Grande do Xingu, a escandalosa diferença entre potência instalada e energia firme, a diminuição do lençol freático por um lado e o alagamento de boa parte de Altamira, por outro. E certamente pelo aumento dos índices de desmatamento da região, inclusive em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, que já posicionam Altamira atualmente no triste topo da lista dos municípios que mais desmatam na Amazônia.
Por essas razões, os povos da região não aceitarão que se empurre Belo Monte goela abaixo. Queremos aqui afirmar a posição dos movimento sociais do Médio Xingu, que reúnem mais de 100 organizações, em articulação com inúmeras entidades locais, regionais, nacionais e internacionais, contrária à esse nefasto projeto, ao atropelo da agenda política governamental e ao desrespeito da legislação ambiental brasileira. Lembramos ao Sr. Ministro que o povo unido é a maior autoridade deste país! Demônios são aqueles que abusam do poder para defender interesses escusos. Demônios são aqueles que se aproveitam da fragilidade de populações violadas em seus direitos, pela negação de políticas públicas e de serviços sociais básicos, para em nome do desenvolvimento, implantar projetos que não trazem nenhuma melhoria de vida para as comunidades locais. Demônios são aqueles que não saem dos seus gabinetes para conhecer e ouvir outras posições. Demônios são aqueles que cerceiam de forma autoritária e antidemocrática os direitos da população.
Antônia Melo e Antônia Pereira Martins
Movimento Xingu Vivo para Sempre!
Entenda mais: Tá amarrado!