quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Hidrelétricas e os podres poderes

Quem vê a gana do governo Lula em barrar os rios da Amazônia deve suspeitar dos reais interesses por trás das grandes obras no Tocantins, Madeira, Xingu e Tapajós.

Os conglomerados de mineradoras que se instalam na região amazônica e as siderúgicas previstas ou em funcionamento no Pará, Maranhão, Ceará e Pernambuco são hoje os maiores demandantes de energia elétrica, aliás, energia esta subsidiada pela nossa conta de luz. Estas indústrias estão sendo banidas da Europa pelo caráter altamente poluente e “descem” para a periferia do globo com apoio e orientação explícita do Banco Mundial.

Mas, a gana sobre recursos energéticos e sobre os rios brasileiros vai além e envolvem interesses que vão desde a clássica apropriação do Estado por velhos caciques da política brasileira até o processo geopolítico de integração subordinada na América do Sul, num clássico caso onde os interesses de dilapidação e expropriação convergem via capital.

Duas publicações em veículos alternativos da imprensa desde mês mostram isso claramente.

A primeira delas é a revista “Caros Amigos” que trás a matéria “Quem governa é o Lula, mas quem manda é o Sarney” do jornalista Palmério Dória. A matéria levanta as “peripécias” do ex-presidente Sarney e sua “big” família, trazendo “traquinagens” que vão do vazamento de informações da Polícia Federal, tráfico de influência, crimes do colarinho branco, fraudes na Sudam, dinheiro em paraísos fiscais e outros itens de um variado “currículo”.

Mas, chama atenção a atuação de Fernando Sarney, filho de Sarney investigado pela polícia federal por corrupção e remessa ilegal para exterior de dinheiro obtido de superfaturamento e desvio de obras de infra-estrutura em que o Ministério de Minas e Energia, controlado por Edson Lobão (ou seja, Sarney) seria o lócus privilegiado.

Diz trecho da matéria:

“O relatório dos delegados Marcio Adriano Anselmo e Thiago Monjardim Santos, enviado ao juiz Neian Milhomem Cruz no dia 18 de agosto, não deixa dúvidas: qualquer rolha de concreto, qualquer barragem nas hidroelétricas brasileiras paga pedágio a Fernando Sarney. Quando José Sarney faz um discurso no Senado, dizendo que Belo Monte, no rio Xingu, na terra dos caiapós, vai ser a redenção da Amazônia, pode ficar certo que muito antes que as comportas se fechem, a alegre turma de Fernando {Sarney} já entou em campo, faturando.



Em São Luis, com a calma de quem tece um colar de contas, made in caiapó, o historiador maranhense Wagner Cabral da Costa, autor de ‘Sob o Signo da Morte – O poder oligárquico de Victorino a Sarney, explica que nada disso ocorre por acaso.

‘Quando Sarney foi governador, a ditadura estava investindo forte em infra-estrutura no nordeste amazônico com a usina de Boa Esperança, no rio Parnaíba, entre o Maranhão e o Piauí, e com expansão das Centrais Elétricas do Maranhão. Então você tem um setor que passa a ter as indicações políticas do grupo’.

Estamos no Hotel Abeville, na avenida Castelo Branco, que vem da ponte José Sarney, ligação direta: quem garantiu Sarney governador lá na ditadura, em 1965, foi Castelo, o primeiro general de plantão. Wagner prossegue:

‘Na rodada seguinte de expansão, que é exatamente o programa Grande Carajás, ainda na ditadura, você tem a implantação da Vale do Rio Doce com o corredor de exportação, a implantação da hidroelétrica de Tucuruí, no Pará e a Eletronorte. Ou seja: vão construir a ponta de organização do setor, mas que é o lugar em que você pode trazer as construtoras, que vêm para o Maranhão para tocar as obras. Você tem o esquema das construtoras, das licitações pra conseguir esses contratos, e a contrapartida em termos de financiamento de campanha.

‘Mas também tem a questão da energia, que tem a ver com a Alumar, localizada na ilha de São Luís. O processo de fabricação da alumina consome muita energia, que é a energia subsidiada. Todos os contratos da Alumar foram negociados por agentes de Sarney. São contratos de 20 anos em que eles pagam 20% a 25% do preço que o consumidor comum paga na cidade. O primeiro contrato venceu há poucos anos e foi renovado por mais 20 anos por gente do Sarney’.
(...)"

A segunda publicação é a versão brasileira do francês “Le Monde Diplomatique” que trás como parte de um dossiê do papel imperialista do Brasil na América do Sul a matéria “Da Alca à IIrsa”. De certa forma, a matéria mostra que o discurso de “integração soberana” da América do Sul nada mais é que a continuidade da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Sul-americada (IIRSA) gestado pelos governos banidos de Fujimori (Peru), Naboa (Equador), De La Rúa (Argentina), Bánzer (Bolívia) e não mais popular Fernando Henrique Cardoso, orientados pelo Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Ao mostrar que os 10 alvos prioritários do IIrsa estão sendo tocados via “Plano de Aceleração do Crescimento” – o PAC – a matéria foca-se no eixo do rio Madeira para usar exemplos de como o BNDES e grandes empreiteiras vem atuando.

Diz trecho da matéria:

No livreto 'A integração sul-americana e o Brasil: o protagonismo brasileiro na implementação da IIRSA', publicado pela primeira vez em 2004, Carvalho mostra que o Estado brasileiro adotou uma postura de incentivar um tipo de integração física baseada na exploração da bacia amazônica, como estratégia central. De fato, quatro dos 10 eixos de projetos da IIRSA localizam-se nesta região, a começar pelo maior, o complexo hidroaquaviário-elétrico da bacia do rio Madeira. As obras também atingem Bolívia e Peru, países que estão sendo desconsiderados nos efeitos do barramento do rio, o maior contribuinte do Amazonas.

Os projetos que mais tarde se notabilizaram como obras, sob a rubrica IIRSA, começaram a ser planejadas ainda no início dos anos 1990 e foram introduzidas, governo após governo, no rol de projetos que viriam a conformar o modelo econômico nacional. Dos ENIDs ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as obras financiadas pelo poder central, no Brasil, levam a mesma marca. Nesse sentido, é exemplar, outra vez, o caso das usinas do rio Madeira – e o protagonismo que o BNDES assume em viabilizá-las.


Entre agosto e setembro de 2006, durante a campanha reeleitoral de Lula, uma vasta ação política e empresarial envolveu o BNDES, o IBAMA, Furnas, a Odebrecht e respeitados professores universitários: firmar um consenso sobre a necessidade de construir, no rio Madeira, em Rondônia, as bilionárias hidrelétricas Jirau e Santo Antonio. Lula reeleito, as usinas foram colocadas no coração do PAC.

Na época, afirmei que “o processo de fabricação do consenso quanto a Jirau e Santo Antonio configurou uma espécie de Operação Madeira, montada para viabilizar política e financeiramente a construção das enormes usinas, perto da fronteira com a Bolívia. Enquanto Lula e Alckmin se digladiavam diante dos holofotes, suas equipes incluíam nos programas de governo de ambos a construção de controversas usinas.”

Como se percebe, para os interesses por trás das grandes usinas hidroelétricas da Amazônia converge o que há de mais moderno e mais podre na estrutura capitalista brasileira e internacional. É a serviço destes interesses que agem os donos do poder no Brasil.

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Observação: a fotografia, a charge e o mapa que ilustram o texto acima foram retirados da internet e não fazem parte das matérias da "Caros Amigos" e do "Le Monde Diplomatique".

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