quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Opinião: O que é o Hamas?

Nunca vi o Hamas como mero fundamentalismo religioso ou grupo terrorista, apesar de toda a propaganda midiática dizer o contrário.

A penetração e base sociais que o Hamas possuem na Palestina não o encaixam no perfil social típico do terrorismo clássico: grupos fechados, clandestinos e apartados das massas. O Hamas possui lideranças públicas, uma rede de assistência social grande (em Gaza é quase exclusiva, dado o bloqueio imposto aos territórios palestinos) e força social capaz de mobilizar milhares e até de eleger parlamentares e ganhar eleições. Portanto, não se trata de um grupo isolado e sua derrota não se dará com prisões e assassinatos de lideranças ou da massa que o apóia.

Neste sentido, as ações terroristas do Hamas e de outros grupos islâmicos (não todos) pode ser configurado como uma forma de luta extrema e com apego religioso, num grupo sem Estado, sem exército e com armas precárias e cercado por um grande potencial militar e econômica que é o estado de Israel. Mas, é preconceito puro associar o islã ou a cultura árabe ao terrorismo ou uma “predisposição” religiosa.

Inúmeras culturas e religiões usaram métodos terroristas como forma de luta de classes, de libertação nacional ou mesmo em guerras, Aliás, foram os judeus os precursores do terrorismo no Oriente Médio, nos anos que antecederam a criação do estado sionista de Israel com bombas em locais públicos contra os árabes. Foram os judeus a usar, legitimamente neste caso, métodos terroristas de resistência contra os nazistas na II Guerra Mundial.

Um outro aspecto curioso do Hamas, é que, segundo historiadores, o mesmo teria sido criado como forma de esvaziar a Organização para a Libertação da Palestina – OLP, organização laica e que paulatinamente abandona a luta armada pelo teatro das negociações.

Ao abandonar a bandeira do Estado único e laico pela imposição de dois estados, uma árabe e outro judeu, a OLP, em especial o Fatah e Yasser Arafat, abriram o espaço político para o nascimento de grupo político que representasse o anseio das massas palestinas expulsas de suas terras, recuadas em territórios de Gaza e Cisjordânia ou expulsas para campos de refugiados nos países vizinhos. Esse grupo foi o Hamas.

Esse espaço ocupado resultou em forte pressão sob o Hamas depois que o mesmo ganhou legitimamente as eleições parlamentares em 2006, querendo moldá-lo. Caso esse processo realmente ocorra nos próximos anos, será inevitável o surgimento de outros grupos que ocuparão o espaço político das bandeiras de luta da massa palestina: retorno aos territórios ocupados, domínio sobre Jerusalém e o fim do Estado de Israel.

Portanto, o Hamas representa no momento, ainda que de forma distorcida, o apelo das massas palestinas pelo seu território. O fim do grupo não significará o fim deste apelo e Israel sabe bem disto e seu terrorismo de Estado funciona muito mais como uma forçada tentativa de recuo do Hamas do que a sua destruição. Contudo, a sua recusa somente o cacifam para continuar ocupando esse espaço.


Cândido Neto da Cunha

Leia ainda: Dize-me o que fazer com o Estado sionista que te direi quem és
Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Anônimo disse...

Vc defende o terrorismo como forma de luta política e acha que o Hamas é a melhor saída para a Palestina?

Cândido Cunha disse...

Nem uma coisa, nem outra. O terrorismo geralmente é utilizado por grupos isolados e geralmente causam mais aversão do que apoio à causa defendida. Contudo, em situações extremas e em momentos excepcionais o terrorismo passa a ser bem visto pela massa, com apego popular ao método. Quando falo isto não estou justificando, mas explicando o fenômeno.

Quanto ao Hamas, considero que seu programa político de criar um Estado islâmico é tão equivocado como a criação de um Estado judeu. Neste sentido o programa de fundação da OLP de um estado único, laico e democrático deveria ser a base política da Palestina. Ocorre parte das organizações que fazem parte da OLP abandonou essa política ao aceitar o estado de Israel e passaram às negociações (ou melhor, cooptação) ao invés da luta política e social. Neste sentido, o Hamas está ocupando esse espaço da luta, com outro programa: o estado teocrático.

Vou tentar desenvolver essas idéias em novo artigo.