No Ceará e até em nível nacional, o Governo do meu estado de nascimento divulgou com muita propaganda a inauguração do chamado “Eixão das Águas”. Trata-se de 255 quilômetros de canais e adutoras com capacidade de transposição de milhões de litros de águas do Rio Jaguaribe, ligando o açude do Castanhão à região metropolitana de Fortaleza.
Para dar um ar “social” à obra, os novos coronéis do estado e seus aliados petistas repetem a velha e surrada fórmula de “combate à seca”. Divulgam que estão levando água para os sertanejos do interior do estado, apesar da geografia da obra indicar que água sai do interior para o litoral. Uma outra justificativa, seria o abastecimento humano para quase 3 milhões de pessoas da região metropolitana de Fortaleza.
O Ceará é o estado nordestino onde mais se tem avançado o processo de “interligação de bacias”, a partir de estudos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em especial após a era tucana iniciada no Governo de Tasso Jereissati (PSDB) nos anos oitenta.
Em 1993, ano de uma das maiores secas no estado, o então governador Ciro Gomes, a toque de caixa, concluiu o chamado “Canal do Trabalhador”, já ligando a bacia do rio Jaguaribe aos açudes que abastecem Fortaleza. A obra hoje se encontra praticamente abandonada, apesar dos milhões gastos sem licitação.
Ao final do governo Fernando Henrique inaugura-se o Açude do Castanhão, mega-barragem com capacidade para quase sete bilhões de metros cúbicos de água. A obra, prometida desde o Império, fez parte da chantagem política disfarçada de argumentos técnicos, de que sem as águas do São Francisco o açude jamais chegaria à sua cota máxima.
A estação chuvosa do ano de 2003 destruiu o argumento. Em menos de um mês a administração do açude se viu obrigada a abrir as comportas. A montante, animais morriam afogados, pessoas eram retiradas de helicópteros e milhares de hectares de caatinga, pastos e roçados eram inundados. A intensidade da chuva pegou a todos de surpresa e o que era esperado para dez anos, choveu em semanas.
Com o início do governo Lula, a Transposição do Rio São Francisco volta à cena com ar de prioridade e novamente a obra se cerca “messianismo”. O presidente chega a declarar que a obra beneficiará 12 milhões de pessoas.
A “salvação” agora vinha acompanhada de um novo termo: “sustentabilidade hídrica”. No terceiro governo Jereissati, inicia-se o “Canal da Integração”, primeiro nome para o projeto “Eixão da Águas”. Aliás, tucanos e petistas costumam adotar essa prática de mudar os nomes e continuar as mesmas práticas, políticas, programas e costumes. Com a obra, surge a nova chantagem: para haver viabilidade na transposição das águas do Jaguaribe é preciso transpor as águas do São Francisco, dizem os “especialistas”.
A inauguração dos trechos II e III do “Eixão das Águas” em pleno dia de São José (padroeiro do Ceará, venerado por suas influências climáticas), reuniu Dilma Roussef (Ministra da Casa Civil e presidenciável), Geddel Vieira (Ministro da Integração Nacional ligado às tradicionais oligarquias), Ciro Gomes (Deputado Federal), Cid Gomes (Governador e irmão de Ciro) e Tasso Jereissati (Senador).
Nenhum dos ilustres comentou que toda àquela água e tamanha obra de infra-estrutura beneficiará fundamentalmente uma siderúrgica de transformação de bauxita. Empréstimos do BID vêm assegurando a instalação de um conglomerado dos grupos Vale e Dong-Kuk (Coréia do Sul).
Para tanto, parte da bauxita e outros minerais que são extraídos aqui na Amazônia serão processados e transformados em alumina. Aliás, este tipo de indústria e caracteriza pelo alto consumo de energia e de água. Por serem altamente poluentes, estão sendo banidas de seus países de origem.
Enquanto as mega-hidrelétricas na Amazônia aguardam o início das obras, o conglomerado MPX Energia (de Eike Batista) recebe US$ 197 milhões do BID para a construção de uma usina termelétrica movida a carvão mineral no Porto do Pecém (próximo à Fortaleza).
Com água e energia à vontade, além da siderúrgica, será ainda instalada na região uma refinaria de petróleo.
Como se vê, as mineradoras se territorializam e hoje dominam não somente o subsolo do país, mas os setores de energia e as nossas águas em várias regiões.
Inusitado, é vê-las se instalando numa região de semi-árido e pressionando para a construção de barragens na Amazônia, onde já é extraída a bauxita em situações conflituosas (vide Alcoa em Juruti, no Pará). Mais inusitado ainda é vê-las associadas ao velho discurso da indústria da seca e aos “modernos” e messiânicos políticos tucanos e petistas do Nordeste
*Eng. Agrônomo e servidor público. Diretor da Associação dos Servidores da Reforma Agrária/Oeste do Pará.