"É um caminho que se abre para a corrupção sindical, para a máfia sindical. Esse tipo de situação tem de ser combatida. É uma crise de legitimidade."
Renée Pereira*
A construção das hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, acirrou os ânimos dos sindicalistas da região. Desde o início das obras, representantes da Força Sindical, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e lideranças independentes se engalfinham para ter a representatividade dos mais de 30 mil trabalhadores que erguem as megausinas. Por trás da briga, está a gorda contribuição sindical que os funcionários fazem mensalmente.
A rivalidade chegou a tal ponto que o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Rondônia (Sticcero), filiado à CUT, está sendo denunciado por ter sugerido ao Consórcio Construtor Santo Antônio a demissão de trabalhadores de outras correntes sindicais por causa do conflito ocorrido no canteiro de obras em junho de 2010.
A disputa entre as lideranças ganhou força no início do ano passado, quando o então presidente do Sticcero, Antonio Acácio Amaral, foi acusado de irregularidades pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e destituído. Ele era ligado à Força Sindical. Um presidente interino assumiu o lugar até a realização de nova eleição. A CUT venceu e assumiu o sindicato. Mas Amaral continuou com seguidores dentro das obras das hidrelétricas.
Além do ex-presidente, o Sticcero também ganhou concorrência de fora do Estado. Uma nova corrente vinda do Pará desembarcou em Porto Velho para representar os funcionários das usinas: o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sintrapav), regido pela Federação Nacional dos Trabalhadores na Construção Pesada (Fenatracoop), que em vários Estados do País é filiada à Força - em nota, a direção da Força afirmou que desautorizou qualquer dirigente a fazer negociação na região.
Em vídeo obtido pelo Estado, dirigentes do Sticcero acusam os trabalhadores ligados a essas lideranças de estarem envolvidos no quebra-quebra de junho do ano passado. Na ocasião, cerca de 3 mil funcionários cruzaram os braços por melhores salários e condições de trabalho. A manifestação, que era para ser pacífica, terminou com 35 ônibus depredados e um carro destruído. Após o incidente, sindicalistas e o gerente administrativo e financeiro da Odebrecht, do consórcio construtor, Antônio Cardilli, se reuniram no hall do Hotel Vila Rica, em Porto Velho.
Na gravação, feita por um ex-funcionário do próprio sindicato, eles decidem antecipar as negociações de reajuste salarial da categoria e iniciar as demissões de pessoas envolvidas no conflito. A conversa é cheia de meandros. Primeiro, os sindicalistas afirmam que o consórcio precisa fazer vistorias diárias nos trabalhadores para verificar se não há armas, drogas e bebidas. Em seguida, sugerem o reforço da segurança interna da empresa, que estaria muito fraca.
Suspeitas. Um deles alerta sobre a presença de integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e de gente da Fenatracoop e do Sintrapav, que estariam por trás da confusão entre os trabalhadores. E completam que era o pessoal da chapa adversária que trabalhava no canteiro de obras na noite em que o conflito teve início. Na reunião, eles praticamente acertam tudo e dizem que vão na obra, naquele momento, conversar com os trabalhadores.
Cardilli diz que fará as demissões em partes: "Dez hoje, dez amanhã, até terminar". Ele só ressalta que as demissões vão atingir apenas os alojados e que o pessoal da cidade será preservado. O resultado disso foi a demissão de mais de 70 pessoas. O ex-funcionário do Sticcero, que está processando o sindicato, Danny Bueno, diz que as demissões atingiram todos os membros da oposição.
Em nota, o Consórcio Construtor Santo Antônio afirmou que mantém diálogo permanente com os sindicalistas para negociar medidas que visem a segurança, o bem-estar dos trabalhadores e o andamento normal dos serviços. Ele nega, porém, que tenha seguido orientações dos sindicalistas em relação às demissões. "A empresa preserva a autonomia de decisão. Não existe a menor possibilidade de influência de qualquer sindicato nas decisões da empresa."
Do lado do sindicato, a resposta foi que o vídeo da reunião era uma montagem, resultado de uma traição de Danny Bueno, que teria se apropriado de documentos da entidade. "Isso foi uma montagem. Tivemos de demiti-lo. Por mágoa e falta de ética, ele decidiu entrar na Justiça contra a gente e quer uma indenização de R$ 300 mil", afirmou o diretor de Ação Social do Sticcero, Raimundo Enélcio.
Bueno diz que nunca se apropriou de nada que o sindicato não o tivesse autorizado. Por determinação dos executivos, todas as reuniões eram gravadas sem o conhecimento de trabalhadores ou de empresas. A dúvida é para qual finalidade.
O presidente da CUT (RO), Edirceu Almeida, também reclama da ingratidão do ex-funcionário e diz que ele terá de provar no processo as acusações, Danny faz outras denúncias sobre o sindicato. Ele repete a suspeita de que houve montagem na gravação. O Estado procurou um perito em crime digital e entregou o material. Segundo Wanderson Castilho, diretor da E-Net Security, não há evidência de manipulação do vídeo. Tanto nas imagens como no áudio havia uma sequência normal, afirmou ele.
Para o professor da USP e da PUC/SP, Arnaldo José Franca Mazzei Nogueira, a indicação de nomes de lideranças que fazem oposição é prática comum no mundo sindicalista, o que enfraquece a representatividade dos trabalhadores. "É um caminho que se abre para a corrupção sindical, para a máfia sindical. Esse tipo de situação tem de ser combatida. É uma crise de legitimidade."
*Fonte: O Estado de S.Paulo
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