Quanto vale?
Por Nina Fidelis*
O dinheiro que fechou escolas.
A oferta que expulsou famílias.
A exportação que importou miséria.
“Quanto vale esta terra aqui?”, perguntavam os homens. “Quanto vale o Homem?”, ele se perguntava.
Depois de vendê-la por um dinheiro que achava nunca poder ter em mãos, percebeu que aquela terra não tinha valor. Era, na verdade, impagável. Invendável.
No lugar da plantação de milho, café e outras coisas, agora só há soja e bois. “Brasil cresce cerca de 5%, como prometido pelo presidente”, os jornais anunciavam.
Tais jornais não conhecem a vida dele. A vida dele e de seus antigos vizinhos. Vizinhos do mundo. Depois que os gaúchos chegaram, tudo mudou. Costumavam dar este nome. Todos vinham do sul mesmo. Rio Grande ou Mato Grosso.
Disseram que a vida iria mudar. Sempre sonhou em ir pra lá. Pra cidade... Mas nunca pensou que fosse esta cidade. Via outras coisas na TV. Eles falavam que os da roça não sabiam viver... Mas esgoto passando na frente de casa, onde as crianças brincam, num tá certo. Ele pensava... Isso é viver?
“Cargill abre mais de cinco mil vagas de emprego”, anunciavam na região. Uns faziam filas. Outros vendiam ilusão.“Antes num precisava abrir vaga não. Eu trabalhava pra mim. Acordava muito cedo, é verdade, mas ali era tudo nosso”, lembrava. Ao cair do dia, estava com a mente tranquila. Sem preocupações. Hoje, não consegue dormir.
Eles não conheciam as ameaças. Os mortos. As crianças. A fome. O desespero. Eles queriam o lucro. Independente de qualquer coisa. Coisa... Era isso que ele se tornara aos olhos dos demais. Não se sentia mais um ser humano. Via outros, como ele, sofrendo. E outros o viam sofrer. Nada acontecia. Ninguém para ajudar, acolher. Nem a ele e nem aos outros iguais a ele.
As castanheiras, que tomam o céu como se fosse delas, são símbolos daquela região, mas agora estão queimadas, distantes... Os troncos, ocos e cinzentos, marcam a paisagem. As casas e escolas estão vazias. No lugar da vida, ruína. No lugar dos homens, máquinas. Saudades do campo ele sente...
A única perspectiva é ficar aqui. Tentando, sobrevivendo. E com toda a sua fé, a única coisa intocável, inabalável que lhe restou, ele se ajoelha no chão e chora, ora, implora... Pede a Deus que, em algum dia, o Homem não seja mais capaz de fazer um outro Homem sofrer. Tampouco a terra, a Terra.
Acabou o querosene. A luz se foi. Veio a noite. Se possível, uma boa noite...
*Nina Fedelis é Jornalista e Fotógrafa. Dedicado às comunidades de Santarém, Pará.
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