Maior programa de regularização fundiária da Amazônia desde a ditadura militar, o Terra Legal não decolou.
Lançado há um ano e oito meses, a partir da medida provisória 458 --apelidada por críticos de "MP da Grilagem"--, o programa deu até agora 554 títulos de terras a posseiros nos sete Estados amazônicos, ou apenas 1,1% da meta para o fim de 2010, de 50 mil títulos.
Em dados atualizados, o programa deverá avaliar quase 6% (51 milhões de hectares) do território nacional, nos quais estão 180 mil ocupações. Junto às dificuldades típicas da região, o maior entrave são as contestações judiciais da concorrência pública de R$ 93 milhões, que contratou 28 empresas para fazer o georreferenciamento, (a medição dos imóveis).
Depois de conseguir contornar recursos interpostos por duas concorrentes da licitação, que atrasaram em quase três meses o cronograma de trabalho, as equipes que iam a campo para as medições encontraram a "Amazônia como ela é".
Segundo o coordenador-geral do programa, Carlos Guedes, parte das empresas, sem experiência na Amazônia, começou a trabalhar a como se estivessem entrando no cerrado ou na caatinga. "Quando deram de cara com a mata, identificaram que teriam muita dificuldade em cumprir os prazos", disse Guedes.
Moradores não foram encontrados durante as visitas, documentos de terras continham informações imprecisas e datadas e o deslocamento na floresta muitas vezes era impossível.
Algumas dessas empresas foram obrigadas a trocar seus funcionários para tentar se adaptar à precariedade logística e documental.
O georreferenciamento é parte essencial do processo de titulação, que começa com o cadastro autodeclaratório dos posseiros. É ela quem desenha com exatidão os limites das propriedades requeridas.
Para o Ministério Público Federal, que acompanha o Terra Legal, o governo subestimou as dificuldades de um projeto dessa magnitude.
Ainda assim, o procurador da República Marco Antonio Delfino considera positiva a demora em fazer a titulação, pois ela tende a evitar atropelos e ilegalidades.
Desde a votação da medida provisória que o originou, o Terra Legal é criticado por ambientalistas por supostamente possibilitar a legalização de grandes grileiros --pessoas que se apropriaram ilegalmente de largas porções de terras públicas.
Até agora, foram detectadas diversas tentativas de fraudar o programa para obter terras acima do limite de 1.500 hectares. Houve casos de uso de "laranjas" e de fracionamento de grandes propriedades entre pessoas da mesma família.
Para detectar e evitar as irregularidades, foi criada uma rede de inteligência fundiária, da qual fazem parte Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Polícia Federal e Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia), dentre outras.
Guedes vê no programa a porta de entrada da regularização ambiental. Com os títulos, será possível identificar quem comete os crimes ambientais.
E diz que, como as empresas já começaram a entregar os dados sobre as medições, "2011 será o ano do Terra Legal". Ele espera terminar a avaliação das 180 mil ocupações até 2012.