Por Leonardo Sakamoto*
Jornais de circulação nacional divulgaram hoje que o Tribunal de Justiça do Pará aprovou uma intervenção federal para que sejam cumpridas ordens de reintegração de posse de áreas ocupadas. O pedido foi encabeçado pela Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que reclamam que a governadora Ana Júlia Carepa não tem sido célere em devolver as terras – muitas das quais comprovadamente griladas – para as mãos dos latifundiários. A matéria vai ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal para ser posta em vigor.
A informação está sendo contestada pelo governo. Segundo Ibraim Rocha, procurador geral do Estado, o Tribunal não decretou nenhuma intervenção: “Não houve decisão de intervenção. O Tribunal preferiu, em vez de arquivar os pedidos, mandar para uma instância juridicamente mais capacitada [Supremo Tribunal Federal] para análise”, declarou à Agência Pará. O procurador afirmou que existem milhares de pedidos de intervenção em todo o país – em São Paulo seriam mais de 2 mil – e que uma intervenção federal é uma decisão remota.
O debate não encerra a questão no miolo de tudo isso: qual seria a chance de um pedido assim ir tão longe se fosse para atender a um pleito de trabalhadores rurais que solicitam a destinação de terras griladas para a reforma agrária ou sua devolução para as comunidades tradicionais de onde foram roubadas? Neca! Imagine então se fosse no Rio Grande do Sul, onde o poder executivo tem servido sistematicamente aos interesses dos ruralistas.
Tempo atrás, postei que Paulo Vieira, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Pará, havia criticado à imprensa a demora do governo estadual em desocupar propriedades rurais nas mãos de movimentos sociais. “O governo do Estado tem que ser ágil no cumprimento dessas reintegrações de posse. Senão, nós teremos aqui no Estado o império de cada um faz o que quer. Isso gera o fracasso da justiça no Estado do Pará.”
Teremos? A Justiça no Pará já fracassou há muito tempo e precisa passar por uma intervenção urgente.
Ou podemos considerar um sucesso uma justiça que há décadas ignora o direito dos excluídos?
Se fossemos contar todos os casos de sindicalistas, trabalhadores rurais, camponeses, indígenas cujos carrascos nunca foram punidos, teríamos o maior post de todos os tempos.
Vamos a alguns exemplos. Na década de 80 e 90, os fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, um dos mais atuantes na região, e assassinaram uma série de lideranças. Os casos foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Há mais de 200 marcados para morrer no Estado.
O Massacre de Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, que matou 19 sem-terra e deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a rodovia PA-150, completou 13 anos de impunidade em abril. Os responsáveis políticos pelo massacre, o então governador Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Câmara, não foram indiciados.
Em fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros – um deles na nuca – aos 73 anos. Ela foi alvejada numa estrada vicinal de Anapu (PA). Um dos fazendeiros acusados chegou a ser julgado e condenado, mas depois foi absolvido em segundo julgamento. Outros estão na fila do tribunal, mas o temor de impunidade paira no ar, apesar da pressão nacional e internacional.
Lembro-me de um caso que presenciei em Belém há algum tempo. Durante protestos do Dia Internacional da Luta Camponesa, que coincide com o aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, jovens, simbolizando trabalhadores escravizados em carvoarias da região Sudeste do estado, acorrentaram-se na frente da sede da Faepa. Como pano de fundo, carvão vegetal despejado pelos manifestantes. “Um verdadeiro ato de vandalismo”, reclamou o presidente da Faepa, Carlos Xavier. A direção da entidade registrou queixa na polícia por conta dos “prejuízos” sofridos. É o direito deles.
Mas o ideal seria que cada trabalhador rural submetido a humilhações no interior do estado, escravizado em fazendas de filiados à federação, pudesse também entrar com uma queixa cada (e que ela fosse ouvida, é claro). Muitos fazendeiros iriam à bancarrota.
A frase é calejada de tanto uso, mas nunca é demais lembrar que a Justiça tem servido para proteger o direito de alguns mais ricos em detrimento dos que nada têm. Mudanças positivas têm acontecido, mas muito pouco diante do notório fracasso até o presente momento.
*Publicado originalmente no blog do Sakamoto .
Assinar:
Postar comentários (Atom)