Nota da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH e Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH
Tem sido surpreendente a postura adotada pelos que, de responsáveis pelas tragédias no campo paraense, passam a se auto-afirmar como defensores do estado democrático de direito. Referimos-nos aos últimos acontecimentos no Brasil e no Pará envolvendo a questão agrária.
Já era de conhecimento de todos e todas, que nosso Estado tem, como fruto do modelo de desenvolvimento instaurado há décadas na região, uma das concentrações fundiárias mais perversas do Planeta. Mais que isso, essa concentração veio e persiste convivendo com violações atrozes dos direitos humanos como expulsão de pequenos agricultores, trabalho escravo, destruição de florestas para dar lugar a pastos, degradação ambiental fruto da mineração, ameaças e assassinatos de lideranças, chacinas como as da fazenda Ubá, Pastoriza, Princesa e Eldorados dos Carajás entre outras.
Para ilustrar esse quadro, os números oficiais do Governo Federal e Estadual dão conta que no Pará mais de 850 pessoas foram assassinadas pelo Latifúndio nos últimos trinta anos. A Defensoria pública já recebeu até a presente data uma listagem de 207 defensores de direitos humanos pessoas ameaçadas de morte; neste mesmo período 60 defensores de direitos humanos foram assassinados, e de todos estes crimes não existe praticamente ninguém punido.
Ora, deveria ser o Judiciário, cujas liminares de reintegração de posse são expedidas de forma célere, o principal responsável por assegurar o combate à impunidade dos crimes decorrentes de conflitos agrários. Mas não é isso que se vê. Ressalvadas poucas e honrosas exceções, a regra é a justiça responder de morosa e ineficaz aos diferentes interesses que lhe são colocados, principalmente quando envolve a questão da violência agrária.
È o próprio judiciário quem deveria ter fiscalizado os cartórios que emitiram títulos fraudulentos que, somados alcançam um território 4 (quatro) vezes maior que a área do Estado do Pará, e isso quem fala é própria comissão de combate à grilagem instituída pelo TJE-PA.
Então temos uma situação surreal e contraditória: “Muitos Fazendeiros grilam terras públicas, acionam o poder judiciário com títulos muitas vezes falsos, obtêm liminares e depois pressionam o Governo Estadual para realizar despejos de dezenas de milhares de famílias, que tem ficado na miséria, jogadas nas beiras das estradas, sem perspectivas de terra, trabalho ou renda.
Até pedido de intervenção federal, as organizações que representam os latifundiários brasileiros e paraenses, tiveram a ousadia de fazer. O Tribunal de Justiça do Estado por sua vez, numa decisão equivocada, que fere o princípio republicano e democrático a nosso ver, atendeu a estes pedidos absurdos, sem considerar sequer a posição das ouvidorias agrárias instituídas para a prevenção e solucionamento de conflitos.
Um desvio para evitar estas verdades tem sido feito para culpar outros atores sociais pelas mazelas do campo, pelos descumprimentos de nossas leis e da própria Constituição. Os verdadeiros responsáveis por essa situação passam a se auto-proclamar vítimas e os movimentos sociais passam a ser criminalizados.
Não se tem notícias de que Entidades como a Confederação Nacional da Agricultura ou FAEPA tenham pedido intervenção ou providência contra a destruição das florestas brasileiras ou contra a grilagem de terras, muito pelo contrário.
Da mesma forma a Polícia, regra geral, não tem pedido prisões preventivas de falsificadores de títulos de propriedade, dos responsáveis pelo trabalho escravo e até mesmo dos que matam e mandam matar em nosso Estado e em nosso País.
Os fazendeiros que deram ordens para as 14 chacinas em nosso Estado não foram presos e alguns jamais serão julgados. As ameaças continuam impunes e a grande maioria sequer é investigada pela polícia. A ação de pistoleiros a serviços da grilagem e do latifúndio ainda é uma constante.
Ressaltamos tudo isso, pois o esforço político, policial, judicial e legislativo utilizados contra as reivindicações sociais e a luta pela terra é absolutamente desproporcional em nosso Estado e no Brasil.
Perguntamos: Por que o PAC (Plano de Aceleração econômica) não destina um único tostão para a reforma agrária? Por que o PRONASCI não contém ações contra a rede criminosa de Grilagem e violência agrária. Por que o TJE-PA não cancela administrativamente os títulos de terra já que ele mesmo já constatou que os mesmos existem? Por que ordenar prisão de Lideranças do MST, do MAB, de Sindicatos Rurais sem necessidade e ao arrepio da legislação processual penal brasileira.
Conhecemos Charles Trocate e Maria Raimunda do MST como militantes sérios e dedicados a uma vida melhor para os camponeses paraenses. O pedido e o decreto de suas prisões é baseado num perigoso "achismo" que não tem lugar no nosso ordenamento jurídico.
Da mesma forma repudiamos a forma como o Advogado da CPT José Batista e o Defensor Público Agrário Rossivagner foram empurrados e ameaçados de prisão pela polícia quando tentaram intervir para evitar o agravamento da situação em recente protesto no Sudeste do Pará.
É chegada a hora de repensar o modelo de desenvolvimento, as práticas judiciais e as ações do aparato de segurança pública envolvidos nestes conflitos.
O que o campo paraense precisa é de políticas públicas e não de ausências. Precisamos de processos em que os camponeses sejam ouvidos e não ignorados. De afirmação de direitos e não de criminalização gratuita para as lideranças de movimentos sociais.
Exigimos:
- O fim da criminalização de movimentos sociais e suas lideranças.
- A retomada da reforma agrária no Estado do Pará.
- O cancelamento de todas as terras griladas no Pará.
- A suspensão de todas as ações de despejo.
- Garantia de acesso à Justiça para lavradores terra ameaçados de despejo.
- Não à intervenção antidemocrática e anti-republicana no Estado do Pará.
- O julgamento e punição de todos os responsáveis pelos assassinatos de lavradores e suas lideranças.