Renée Pereira *
A proximidade do leilão da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, marcado para 21 de dezembro, tem mexido com os ânimos da população do Oeste do Pará. Nas últimas semanas, movimentos contrários e a favor da usina - maior empreendimento do setor elétrico do Brasil, equivalente à construção do Canal do Panamá, em termos de escavações - reforçaram os protestos pelas ruas da tumultuada Altamira, no interior do Pará. Por lá, os moradores - sejam crianças, jovens ou idosos - "respiram" Belo Monte 24 horas por dia, numa polêmica nem sempre amistosa.
A partir de amanhã, o clima deve esquentar ainda mais, com a expectativa de liberação da licença prévia para o início da obra. Ambientalistas e povos indígenas prometem não se curvar à decisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Não vamos desistir agora dos nossos direitos", afirma o cacique da tribo Arara, José Carlos Arara, que teme os impactos da construção da usina em sua aldeia.
Do outro lado, empresários se unem para reforçar o coro a favor do governo para, enfim, tirar do papel o projeto que desde a década de 70 promete desenvolvimento à região. As manifestações começaram na sexta-feira passada, numa caminhada pela cidade. Nos próximos 37 dias, até a licitação da hidrelétrica, os dois grupos vão fazer barulho, com atos que ultrapassam as divisas do Pará.
Além de possíveis protestos na Conferência do Clima, em Copenhague, a oposição cogita um ato público durante o show do cantor Sting, esta semana, em São Paulo. No passado, o inglês fez parte do movimento que ajudou a engavetar a antiga versão do projeto de Belo Monte, cujos estudos tiveram início em 1975. Ele participou do 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, em Altamira.
Desde aquela época, a usina já era o empreendimento mais emblemático dentro da nova fronteira hidrelétrica do País na Região Amazônica, que opõe meio ambiente e desenvolvimento econômico e social. A energia de Belo Monte é vista como essencial para sustentar uma taxa de crescimento do País na casa de 5% ao ano na próxima década. De acordo com o Plano Decenal de Energia 2008-2017, nesse período, o Brasil terá de acrescentar 27 mil megawatts médios (MW) de energia ao sistema.
O governo conta com Belo Monte para fechar a conta e evitar o estrangulamento do sistema. A expectativa é de que a usina, de 11.233 MW de potência (ou 4.600 MW médios), comece a entrar em operação por volta de 2015, a tempo de suprir as necessidades da Olimpíada de 2016, no Rio. O volume total de investimentos será de R$ 16 bilhões (US$ 9,2 bilhões) , bem distante dos US$ 3 bilhões previstos no fim da década de 90.
Para chegar ao desenho atual, Belo Monte passou por inúmeras remodelações. Nasceu como Hidrelétrica de Kararaô, dentro de um complexo de seis usinas e, mais tarde, foi rebatizada como Belo Monte. Na última reestruturação, para diminuir os impactos ambientais e atender às reivindicações da oposição, a área alagada da usina foi reduzida de 1.200 para 516 quilômetros quadrados (km²), o que deverá evitar uma série de contratempos.
O novo desenho será um dos maiores desafios para a engenharia brasileira, que acumula anos de know-how na construção de hidrelétricas em todo o mundo. Ao contrário das demais usinas do País, Belo Monte será construída em três áreas diferentes. A primeira obra, que inclui o vertedouro principal e a casa de força complementar, ficará a 40 quilômetros de Altamira e terá capacidade de 233 MW, com 9 turbinas.
A partir desse local, serão construídos dois canais - cujas escavações serão semelhantes às do Canal do Panamá, considerado uma das sete maravilhas do mundo moderno - que vão desviar parte da água do Rio Xingu para o reservatório. O nível do lago será controlado por uma barragem complementar. Seguindo rio abaixo, será instalada a casa de força principal, com 20 turbinas, com capacidade para gerar 11 mil MW.
"Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo e a segunda maior do Brasil. Se for desconsiderada Itaipu, que é binacional, a usina será a maior do País", diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. O executivo lembra que, seguindo uma tendência nacional para evitar impactos ambientais, Belo Monte será a fio d"água, ou seja, não terá um grande reservatório e vai gerar conforme a vazão do rio.
Essa é uma das críticas dos ambientalistas. Eles argumentam que a usina não será totalmente eficiente nem terá uma grande contribuição no abastecimento do País. Durante o verão, o fluxo de água do Rio Xingu cai de forma drástica, o que reduzirá a capacidade de produção da usina, segundo Marcelo Salazar, do Instituto Socioambiental (Isa).
Embora Belo Monte tenha potência de 11 mil MW, a unidade produzirá apenas 4,6 mil MW médios. Ele diz ainda que a migração de pessoas poderá trazer o caos para a região, que não tem infraestrutura.
De acordo com os estudos, a construção da hidrelétrica criará 18 mil empregos diretos e 80 mil indiretos. Mas Salazar acredita que esses números serão maiores, considerando que haverá necessidade de pavimentar as estradas e melhorar outros serviços públicos.
Apesar da resistência, Tolmasquim afirma que o governo não voltará atrás na estratégia de explorar a nova fronteira energética. "Seria uma insensatez abrir mão dessa capacidade. Mais de 60% do potencial hidrelétrico do País está na região amazônica."
*Fonte: O Estado de São Paulo, 15.nov.2009
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