Cândido Neto da Cunha*
Ainda ontem Band e Globo continuavam a sua cruzada contra a demarcação contínua da Reserva Indígena Raposo Serra do Sol em Roraima. Usaram argumentos como a “retirada de brasileiros da fronteira” para provar a “perda de soberania do país”. Provavelmente, a manutenção de 19.000 indígenas brasileiros na área não conta e sim meia dúzia de grandes fazendeiros.
Uma outra linha de “reportagem” mostrou que índios ficarão desempregados com a saída do agronegócio da área, numa lógica em que a única possibilidade de bem-estar das famílias seria tornar-se trabalhadores assalariados (muito mal assalariados, por sinal).
Mas, a cruzada “nacionalista” contra os indígenas alienígenas em seu próprio território ganhou um guerreiro inusitado. Trata-se de Aldo Rebelo, deputado federal pelo PCdoB de São Paulo e ex-presidente do Congresso Nacional. Para quem não lembra dele, é aquele deputado que parece um boneco de Olinda, comprido e sempre com as mãos rentes ao corpo quando está parado.
Pois bem, em sua página na internet, dois artigos intitulados “No conflito de Roraima, só pode haver um vencedor: o Brasil”, o deputado “comunista” traça as suas teses sobre o assunto, com uma condenação prévia da política da FUNAI e às ONG´s (sem citar nenhuma) à sua clara influência sobre os índios.
Mas Rebelo não usa somente argumentos do senso comum. Declara-se “conhecedor da região” e usa dados e citações para tentar dar legitimidade a seus argumentos. Ao começar por uma frase de Joaquim Nabuco no primeiro artigo em defesa da propriedade (no caso nas regiões de fronteira). Contudo, esses argumentos poderiam perfeitamente ilustrar a página dos arrozeiros de Roraima ou a linha editorial dos Democratas (DEM):
“... não tem cabimento ilhar uma área de 1,7 milhão de hectares para os índios: bastariam 400.000 hectares de trechos onde efetivamente vivem as tribos. ‘Considerando os períodos de pousios típicos adotados na região, de cerca de 10-15 anos de abandono, poder-se-ia estimar uma área de aproximadamente 5.000 a 10.000 hectares, que seria como suficiente para prover a subsistência da população total da região, mediante técnicas rudimentares de cultivo’," citando um estudo de um Eng. Agrônomo de Viçosa e não um laudo de um antropólogo como era se esperar.
“É o conflito embutido na terra indígena Raposa-Serra do Sol, demarcada em 1,7 milhão de hectares para usufruto exclusivo de aproximadamente 11 mil índios, em prejuízo de não índios que desde a Colônia ali também se instalaram com a têmpera dos bandeirantes. Se em 1904 perdemos um pedaço do mapa para uma dita “nação amiga”, agora trata-se de evitar a seqüela no seio da Nação brasileira”, prossegue sua argumentativa bandeirante.
Rabelo consegue ainda associar e distorcer fatos históricos desconexos para rechear seus artigos:
“A ocupação do vale do Rio Branco seguiu o modelo da formação social brasileira. Índios e brancos misturaram-se na constituição do povo, gerando caboclos ou mamelucos que nem sempre viveram em harmonia. Ao contrário, é sangrenta a saga indígena na ocupação do território”, diz Rabelo, numa verdadeira inversão de quem realmente foi massacrado e assimilado.
Apesar de declarar que na área existiram 11 mil índios (na verdade são 19.000 mil), Rebelo também considera que a criação da Reserva é um esvaziamento da fronteira e abre as portas para a “perda de soberania nacional”.
Tal soberania não esteve em risco quando o governo Lula aprovou a Lei de Florestas Públicas quando Rebelo presidia o Congresso Nacional. Seu partido também não viu nenhuma perda de soberania na votação da MP 422 que privatiza terras públicas na Amazônia. Portanto, pobres, camponeses e indígenas não são dignos da “soberania” de Rebelo e do PCdoB. Mas o grande empreendimento capitalista (inclusive estrangeiro), sim.
Leia o artigo de Aldo Rabelo em http://www.aldorebelo.com.br/noticia.asp?pIDNoticia=1066
Leia ainda: Raposo Serra do Sol: Soberania ou Preconceito?
Envie um correio para Aldo Rebelo: dep.aldorebelo@camara.gov.br
*Eng. Agrônomo e diretor da Associação dos Servidores da Reforma Agrária –Assera/Oeste do Pará.