Roberto Malvezzi, o Gogó
Quando um fenômeno extremo acontece isoladamente, não dá para dizer que é resultado das mudanças climáticas. Quando eles acontecem em várias partes do mundo quase que simultaneamente, é sinal evidente que o planeta está mudando. Essa é a sabedoria que se vai acumulando em relação à questão.
O que acontece no vale do Itajaí, trágico e triste em todos os sentidos, deveria ser um sinal vermelho para as autoridades brasileiras. Qualquer estadista reconheceria que os rumos da civilização brasileira – devastando suas matas, ocupando morros etc. – só podem colher como resultado a tragédia.
Por enquanto, olhamos a cidade devastada de longe. As águas do Itajaí não entraram aqui pelas nossas portas do Nordeste. É provável que não tenha morrido nenhum parente ou amigo. Então, é possível contemplar o fato com lamentações, mas sem experimentar o que é ter a vida devastada de um minuto para o outro.
O que nos indicam é que estamos apenas no começo. Os tais fenômenos extremos deverão se repetir com mais freqüência e mais violência. Talvez, quando um dia se abaterem sobre nossas casas, lhes daremos o devido significado.
Mesmo assim insistimos em derrubar as florestas a troco de uns quilos de soja e meia dúzia de dólares. Devastação financiada pelo BNDES e outros bancos oficiais. Dívidas monumentais de predadores perdoadas. Legislação alterada para que o agro e hidronegócio avancem sobre as áreas de fronteiras, sobre o Cerrado, sobre a Amazônia, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas. Sem falar na conivência das autoridades locais com o avanço das imobiliárias sobre as áreas de risco e preservação, inclusive com condomínios de luxo.
Parece ser impossível para os brasileiros construir uma economia que não seja predadora, que seja inteligente, que aponte para o século XXI e não para o passado.
O exemplo de Itajaí, como já mostrou Nova Orleans, indica que não serão apenas os pobres – embora o sejam sempre – as vítimas exclusivas da vingança de Gaia.
*É coordenador da CPT – Comissão Pastoral da Terra.