A decisão do governo de usar uma medida provisória
para reduzir cerca de 1.500 km2 de áreas de preservação ambiental na Amazônia
foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Contrário ao método adotado pelo
Planalto para acelerar o processo de licenciamento ambiental de uma série de
usinas na região, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou
ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), com pedido de medida
cautelar para barrar a MP 558/2012. A medida provisória, de acordo com Gurgel,
“está repleta de inconstitucionalidades”.
O procurador alega que a MP não atende princípios
básicos que justifiquem sua publicação. Pela Constituição, argumenta Gurgel, a
redução de reservas ambientais só poderia ser feita após audiências públicas
com a população, além só poder ser efetivada por meio de lei, isto é, o tema
deveria ser objeto de discussão ampla no Congresso. “A MP é temerária e
prematura, porque não precedida dos procedimentos legais necessários”, diz o
procurador-geral, alegando que as determinações causam lesões ambientais que
são, com grande frequência, de caráter irreparável. “Diante do princípio geral
da prevenção, e tendo em vista que está em jogo nada menos do que a integridade
do Bioma Amazônia, a necessidade de medida cautelar se torna irrefutável”, diz
Gurgel.
A ministra Cármen Lúcia é a relatora da ação (Adin
4.717) que será julgada pelo STF. Apesar de a ministra ter cobrado em seu
despacho do dia 29 de fevereiro que a Secretaria Judiciária providenciasse “as
medidas processuais com urgência”, não há até agora uma previsão muito firme
sobre quando o julgamento poderá ocorrer. Isso significa que pode levar dias,
meses ou até anos para a Adin ser julgada.
Nos quatro meses que a medida provisória passou
pelo Congresso, a Eletrobras tratou de avançar no rito de licenciamento. Na
semana passada, o deputado José Geraldo (PT-PA), relator da MP 558 na Câmara,
aprovou o texto sem grandes alterações. O parlamentar discorda das alegações
feitas pelo Ministério Público Federal e afirma que a MP tem, sim, caráter de
urgência para resolver “problemas crônicos”.
“Essa interpretação do procurador-geral [Roberto
Gurgel] é equivocada. Com a MP, o governo está resolvendo um passivo
latifundiário que existe na região há décadas e que sempre foi ignorado”,
afirma. “Além disso, o Ministério Público do Pará defende uma posição política
contra as barragens, não é uma posição técnica. Em vez de se preocupar com algo
que realmente seja irregular, ele assume um posicionamento radical. Não querem
as usinas, mas esquecem que a região Norte queima 6 milhões de litros de óleo
diesel por dia para ter energia.”
O mesmo posicionamento é sustentado pela senadora
Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), que assumiu a relatoria da MP no Senado. “Não há
nenhuma inconstitucionalidade no ato. Há uma decisão de governo em compensar as
áreas atingidas. O Brasil é um exemplo mundial de cuidados com o ambiente”,
comenta.
A votação do texto pelo Senado tem que ocorrer até
o próximo dia 31, data em que expira o prazo da MP. Segundo Vanessa Grazziotin,
a medida entrará na pauta da terça-feira. A senadora não acredita em
dificuldades para que o texto passe pelo plenário, para então ser sancionado
pela presidente Dilma Rousseff. “Não acredito que seja uma votação complicada,
porque as áreas afetadas são pequenas. O assunto pode até gerar alguma
polêmica, mas estamos conversando com as lideranças. A MP vai passar”, diz.
A Medida Provisória 558 alterou os limites das
seguintes unidades: Nacional da Amazônia, Parque Nacional dos Campos Amazônicos,
Parque Nacional Mapinguari, Floresta Nacional de Itaituba I, Floresta Nacional
de Itaituba II, Floresta Nacional do Crepori e Área de Proteção Ambiental do
Tapajós. O tamanho original dessas reservas, conforme dados do ICMBio, era de
45.575 km2. Foram retirados 1.051 km2 das unidades e outros 55 km2 foram
acrescidos.
Para justificar a edição da MP, o governo alegou
que as alterações eram necessárias para excluir áreas das reservas ocupadas por
posseiros, com o propósito de fazer a regularização fundiária. Entre as
mudanças estão “correções” feitas no Parque Nacional Mapinguari, que terá parte
de sua área inundada pelos lagos das usinas de Jirau e Santo Antônio, erguidas
no rio Madeira, em Porto Velho (RO).
Na semana passada, o Movimento Tapajós enviou uma nota
de repúdio ao Congresso, pedindo que a MP não seja aprovada. O documento
assinado por dezenas de ribeirinhos, indígenas e organizações sociais da região
deixa claro que defende a regularização de assentamentos pelo Incra, mas
critica o viés para liberar a construção de novas usinas. “Essa medida
provisória foi assinada com o objetivo principal de abrir caminho para a
implantação das megabarragens de São Luiz do Tapajós e Jatobá no Rio Tapajós,
sem qualquer consulta prévia junto às populações ameaçadas, e sem estudos
obrigatórios sobre a sua viabilidade socioambiental e econômica”, diz o texto
da nota.
Fonte: Valor
Econômico
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