Por André Borges*
O rio Tapajós, artéria principal de uma Amazônia
ainda virgem, está no limiar de ter as suas águas liberadas para a construção
de um complexo de hidrelétricas. O antigo plano de erguer cinco usinas ao longo
desse rio que nasce no Mato Grosso e avança pelo Pará, até encontrar o
Amazonas, começou a sair do papel silenciosamente, processo que foi detonado
por uma polêmica Medida Provisória editada no dia 6 de janeiro pela presidente
Dilma Rousseff. Com a MP 558/2012, o governo alterou os limites de sete unidades
de conservação da Amazônia e retirou delas a área que será alagada pelos
reservatórios das usinas. Boa parte da redução dessas florestas protegidas por
lei tem o propósito específico de desobstruir o caminho para o licenciamento
ambiental das duas primeiras hidrelétricas previstas para a Bacia do Tapajós:
São Luiz do Tapajós e Jatobá. Para a primeira delas, o resultado da ação
governo foi imediato.
O Valor apurou que, de fevereiro para cá, a
Eletrobras entregou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) uma série de pedidos de autorização para coletar os
dados que vão basear o estudo de impacto ambiental da usina São Luiz do
Tapajós, maior empreendimento do complexo e prioridade máxima do governo.
O Ibama já aprovou os pedidos. Em fevereiro, o
órgão ambiental liberou o “plano de trabalho” da hidrelétrica e autorizou a
Eletrobras a abrir uma “picada” de um metro de largura em uma extensão de 33,5
quilômetros de mata. No mês passado, foi dado sinal verde para que a estatal
faça a captura, coleta e transporte de animais e plantas para concluir seus
estudos, o que deve ocorrer até o fim deste ano.
Ambição alimentada há cerca de uma década pelo
governo federal, a hidrelétrica de São Luiz tem uma potência estimada em 6.133
megawatts (MW), praticamente duas vezes a potência da usina de Santo Antônio,
que está em fase de conclusão em Porto Velho (RO). Só o comprimento de sua
barragem alcança 3.483 metros de uma ponta a outra.
O governo defende a tese de que o empreendimento
terá um impacto ambiental extremamente reduzido. A previsão, no entanto, é de
que a área total do reservatório de São Luiz do Tapajós atinja 722,2 km2, um
área muito superior, por exemplo, aos 510 km2 do lago que será formado pela
usina de Belo Monte, em construção no rio Xingu, no Pará. Pesa ainda o fato de
que Belo Monte está sendo construída em uma área em que parte da mata já foi
utilizada para pasto, além de estar próxima de cidades como Vitória do Xingu e
Altamira. No caso de São Luiz do Tapajós, trata-se de construção em uma mata
intacta, rodeada apenas por famílias de ribeirinhos e aldeias indígenas.
Segundo o Ministério Público Federal no Pará, o
complexo das cinco usinas da Bacia do Tapajós deverá inundar cerca de 2 mil km2
de mata, quase duas vezes a extensão da cidade do Rio de Janeiro. “Do ponto de
vista ambiental, não há dúvidas de que o estrago ambiental de São Luiz e do
complexo do Tapajós é ainda superior ao que será causado por Belo Monte”, diz
Felício Pontes Júnior, procurador da República no Pará.
O instituto de pesquisas Imazon aponta que todas as
áreas excluídas das unidades de conservação pelo governo estão no mapa das
regiões prioritárias para a conservação da biodiversidade. Cerca de 80% delas
são classificadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) como de prioridade
“extremamente alta”.
O governo justifica que o projeto é absolutamente
imprescindível para garantir a oferta de energia do país e que fará um projeto
hidrelétrico revolucionário no coração da Amazônia. A operação para a
construção da usina de São Luiz do Tapajós, sustenta Altino Ventura Filho,
secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas
e Energia (MME), vai se basear no modelo inédito de “usina plataforma”,
inspirado nas plataformas de petróleo que ficam isoladas nos oceanos.
Para construir São Luiz, tudo terá que ser
transportado exclusivamente por meio do rio ou por via aérea. Está previsto a
construção de um heliporto e, possivelmente, de uma pequena pista de pouso para
aviões. Dessa forma, não haverá abertura de estradas para transportar
trabalhadores, máquinas ou materiais. Os canteiros de obra serão abertos na
margem do rio, mas ficarão absolutamente isolados e não poderão se expandir,
como costuma ocorrer com esse tipo de empreendimento. “Se seguíssemos a mesma
linha das outras usinas, abriríamos uma estrada para chegar até lá e
montaríamos uma vila operária que levaria a um processo de urbanização”, diz
Altino. “Isso não ocorrerá. Não haverá estradas de acesso, o local não se
transformará em objeto de desenvolvimento. Passada a fase da construção, essa
estrutura será completamente desativada e tudo será reflorestado, só restando
ali poucos funcionários para manutenção e fiscalização da usina.”
O plano do governo é que, uma vez concluída, a
hidrelétrica de São Luiz seja incorporada a um parque nacional. “Não vamos
fazer a usina de forma atropelada. Os responsáveis pela obra ficarão,
inclusive, com a responsabilidade de preservar aquela região, protegendo de
possíveis invasões e desmatamentos”, argumenta Altino.
O leilão de hidrelétricas está condicionado à
emissão de licença ambiental prévia pelo Ibama. Conforme o cronograma a que o
Valor teve acesso, a Eletrobras pretende concluir o seu relatório de impacto
ambiental em janeiro de 2013. O plano do governo é que o Ibama aprove o estudo
já em fevereiro para que, no mês seguinte, o estudo de viabilidade técnica e
econômica (EVTE) da usina São Luiz passe pelo crivo do Tribunal de Contas da União
(TCU). A meta é que as audiências públicas feitas pelo Ibama ocorram em abril
do ano que vem, com emissão da licença prévia prevista para junho. Entre junho
e o fim de 2013, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realiza o
leilão da primeira hidrelétrica do rio Tapajós.
*Fonte:
Valor Econômico