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Quem foi o responsável por mais estas mortes de trabalhadores da terra? Ainda não estão claras as informações a respeito de quem teria cometido o duplo assassinato. A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Prelazia de São Félix do Araguaia, porém, afirmam que este é mais um caso de mortes anunciadas. Apesar de todas as denúncias feitas ao Incra e inclusive ao Gabinete da Presidência da República e de todos os apelos, não foram tomadas as medidas cabíveis e necessárias e se deixou que a situação chegasse a este desfecho.
Nos primeiros dias de junho a Prelazia de São Félix divulgou manifesto sobre o clima de tensão que se gerou na área e a Coordenação da CPT enviou carta ao Presidente do Incra pedindo providências.
Depois da desapropriação da área, o Incra, em 2005, foi imitido na posse da mesma. A partir daí, o vai e vem de recursos na justiça, ora tem assegurado ao Incra a posse da terra, ora a tem devolvido à empresa proprietária (Agropecuária Santa Rosa ltda., devedora da União). Em 18 de outubro de 2007, o Incra novamente foi imitido na posse do imóvel e as famílias foram conduzidas pelo Incra para as terras da fazenda.
Desde a entrada das famílias na fazenda foram feitas denúncias da presença de grupos cujos integrantes não correspondiam ao perfil de famílias beneficiárias da reforma agrária. Era visível que pretendiam aproveitar-se apenas da madeira ali existente e para tanto destruíam o meio ambiente. As denúncias foram encaminhadas principalmente ao Ministério Público Federal no estado do Mato Grosso. Solicitava-se uma investigação local destas denúncias.
Numa das vezes em que esteve na presidência do Incra, o Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Leonardo Ulrich Steiner, alertou, verbalmente, que a seleção das famílias a serem assentadas deveria ser acompanhada por agentes da polícia federal para impedir que grupos estranhos, com outros interesses, impedissem o bom andamento do procedimento. Isso não aconteceu. Sem terem sido tomadas as devidas providências, o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual ingressaram na Justiça com Ação Cautelar por danos ao meio ambiente e o Juízo da Primeira Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso determinou, no final de março, a retirada de todos os ocupantes da fazenda, inclusive das famílias cadastradas pelo Incra, que tinham iniciado os procedimentos para a regularização de seus assentamentos e que já haviam plantado roças e aguardavam suas colheitas.
As famílias acabaram acampando novamente em barracos, expostas ao sol, à poeira, às intempéries do tempo, sem água potável. Como não se apresentava a elas qualquer solução, apelaram para o bloqueio da BR como forma de pressão. Neste contexto aconteceram as mortes.
A CPT e a Prelazia exigem que o Incra assuma a responsabilidade por estas mortes por seu marasmo e omissão na resolução do conflito e por não ter tomado todas as cautelas exigidas no caso.
As famílias sem terra encontravam-se na fazenda por iniciativa do Estado, responsável pela solução definitiva do caso, bem como pela proteção à sua integridade física e à sua dignidade de pessoas humanas. Cabia ao Ministério Público zelar por estes valores, porém, propôs a retirada de todas as famílias, cadastradas e não cadastradas, como forma de defender o meio ambiente, não levando em conta os princípios constitucionais que consagram a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como princípios fundantes da República Federativa brasileira.
Este é mais um dos conflitos na grande Amazônia brasileira. Só nos primeiros meses deste ano, a CPT registrou o assassinato de nove trabalhadores em conflitos no campo. Oito destas mortes na Amazônia, onde ocorre o maior número de assassinatos, 253 dos 365 registrados nos últimos dez anos.
Quando os direitos dos pobres, especificamente dos sem terra, serão respeitados?
Quando o governo quer e se empenha consegue em pouco tempo aprovar medidas mesmo que não estejam em consonância com a Consituição.
O sangue destes trabalhadores mais uma vez clama por Justiça!
Goiânia e São Félix do Araguaia, 22 de junho de 2009.
Dom Leonardo Ulrich Steiner - Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia
Dom Ladislau Biernaski - Presidente da Comissão Pastoral da Terra