Segurança privada foi contratada pela massa falida da Selecta em
São José dos Campos para impedir que moradores retornem ao local e procurem
pelos móveis e eletrodomésticos
Menino passeia por escombros do antigo Pinheirinho (Danilo Ramos/RBA) |
São
José dos Campos – Próximo da data em que se completa um mês da desocupação da
comunidade do Pinheirinho, na quarta-feira de cinzas (22), ninguém entra e
ninguém sai do terreno de 1,3 milhão de metros quadrados sem passar pelo crivo
de um grupo de seguranças particulares armados, contratados pela massa falida
da Selecta – beneficiada pela desocupação das 1,6 mil famílias que lá viviam e
que deixaram suas casas. Na vastidão do local, em São José dos Campos, no
interior paulista, só restam entulhos das casas de alvenaria e madeira que
chegam até onde os olhos podem ver, além dos pertences pessoais dos
ex-moradores, que serviam como achados pelos catadores.
A
empresa já foi notificada a realizar a remoção de entulhos do local no último
dia 2, com um prazo de 15 dias. Passadas exatas duas semanas, no entanto, o
volume de escombros e, inclusive, objetos que acumulam água da chuva – pneus,
vasos sanitários, pias, caixas, e outros – continua grande, atraindo insetos e
condições próprias para o início de uma endemia. Funcionários do Centro de
Zoonoses da Prefeitura fazem o trabalho inicial de remoção dos criadouros.
Apesar
de nem toda a extensão do terreno estar cercada por arame farpado, curiosos em
geral são impedidos de entrar na área. “Vocês são de onde?”, perguntou um dos
seguranças, à paisana, ao se aproximar da reportagem, que foi advertida a se
identificar, primeiro, em uma guarita feita no improviso, localizada em uma
outra entrada para o terreno. Uma segunda autorização teve de ser pleiteada a
quem seria o chefe imediato da segurança, identificado apenas como Nelson.
“(Vocês) só vão andar aí, né?”, certificou-se. A ordem expressa passada a eles
é de não deixar nenhum ex-morador retornar ao local para resgatar seus bens.
Embora a Prefeitura de São José dos Campos garanta que houve tempo para
retirada dos móveis e documentos, os ex-moradores se queixam de não terem tido
tempo para carregar objetos mais pesados e de difícil locomoção, com geladeiras
e fogões.
Debaixo
de uma árvore, seis homens da segurança descansavam enquanto um deles queimava
um acumulado de entulhos, inclusive telhas de amianto – material que contamina
o solo. Questionados se o lugar ainda atrai muitas pessoas, um deles respondeu,
enfático, que está proibida a entrada de ninguém que não esteja previamente
autorizado. “Não posso te dar mais informações porque quem mandou a gente aqui
foi o dono”, disse Nelson. A empresa pertence ao investidor Naji Nahas, e
acumula dívidas provenientes do não pagamento de IPTU que chegam a um montante
de R$ 14,6 milhões, apesar de redução significativa de R$ 777 mil, concedida
pela 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, seis
dias após a reintegração de posse.
Davina
Souza Fernandes, auxiliar no Centro de Promoção Humana Dr. Oscar Homero, da
Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – que recebeu um grupo de
ex-moradores no dia da desocupação – vê oportunismo na situação. “Esses dias
uma senhora veio para a Igreja e disse que lá havia um caminhão pegando geladeiras,
fogões, e não deixavam nem as pessoas entrarem. Ela mesma tentou entrar, mas
foi barrada”, contou. “Eles mesmos estavam com uma perua cheia de móveis. Nem
temos mais o que falar da situação.” A paróquia recebe hoje cerca de 80
pedidos de cesta básica por dia vindas dos ex-moradores.
Também
abordado pela segurança, um menino de 11 anos de idade ainda com a mochila nas
costas – recém-saído de uma aula – alegou curiosidade ao entrar no antigo
Pinheirinho. “Eu tenho conhecidos que moravam aqui”, justificou. Como se não
conseguisse acreditar naquele cenário de destruição, ele observava com cuidado
cada pedaço do terreno, que poderia revelar quem vivia ali. Bem esclarecido
para a sua idade, o menino puxou conversa com a reportagem. “Não entendo mesmo
o porquê em fazer isso, derrubar tudo enquanto as pessoas poderiam estar ainda
morando aqui”, lamentou.
Os
ex-moradores que se distribuíam em quatro abrigos estão no processo da retirada
dos cheques de auxílio-aluguel, a R$ 500. Das 1,6 mil famílias, 140 se
encontram ainda nos abrigos, segundo a prefeitura. Há relatos da dificuldade em
encontrar casa para alugar, uma vez que as ofertas de moradia até o valor são
poucas, e muitos deles não conseguem realizar depósito do valor do aluguel
adiantado e nem têm fiador, como condições de locação nas imobiliárias.
Fonte: Rede Brasil Atual