O jornal inglês The Guardian publicou neste domingo
uma matéria sobre o assassinato de João da Gaita em Itaituba, oeste do Pará e
sobre as ameaças que pairam sobre o refugiado Junior José Guerra, ambos
denunciantes da extração de madeira em unidades de conservação federais no
interior da Terra do Meio e que são transportadas por dentro de um projeto de
assentamento do Incra, o PA Areia, em Trairão, também no Pará.
O caso que foi muito bem detalhado pela jornalista
Eliane Brum em colunas no sítio da revista Época, agora ganha a imprensa
mundial sem que os governos federal e do Pará tomem maiores providências para
garantir o controle do território saqueado e a assegure a proteção de Junio
Guera.
Confira a matéria:
Ativistas brasileiros que denunciam madeireiros ilegais podem esperar visitas de pistoleiros.
Por Tom Phillips [Tradução de Idelber Avelar*]
Um
único tiro na têmpora foi a recompensa de João da Gaita por dar com a língua
nos dentes. Seu amigo, Junior José Guerra, só teve um pouquinho mais de sorte.
Qual
foi o prêmio recebido por Guerra por denunciar os madeireiros ilegais que
destroem a maior floresta tropical da Terra? Um lar quebrado, duas crianças
petrificadas e o exílio incerto de uma vida que ele havia passado anos
construindo na Amazônia brasileira.
“Eu
não posso voltar”, diz Guerra, um dos mais novos refugiados ambientais da
Amazônia, três meses depois que o brutal assassinato de seu amigo forçou a ele,
sua mulher e seus dois filhos a se esconderem. “Me contaram que eles estão
tentando descobrir onde estou. A situação é muito complicada”.
João
da Gaita, 55 anos, e Guerra, 38, moravam ao lado da BR-163, estrada remota e
traiçoeira que corta o estado do Pará de norte a sul. Eles eram migrantes do
sul do Brasil, que
haviam vindo em busca de uma vida melhor.
Nenhum
dos dois era ambientalista de carteirinha e ambos haviam supostamente se
envolvido com crimes ambientais. Mesmo assim, eles optaram por cometer o que é
considerado um pecado capital nesse rincão isolado do Brasil – eles denunciaram
criminosos que estariam ganhando milhões com a ceifa ilegal de ipês das
unidades de conservação num canto da Amazônia conhecido como Terra do Meio.
Numa
região frequentemente comparada ao Velho Oeste, a traição aos responsáveis pela
pilhagem da floresta frequentemente leva ao caixão ou ao exílio. João da Gaita,
músico amador e mecânico cujo nome era João Chupel Primo, encontrou seu destino
primeiro.
Em
outubro passado, ele e Guerra entregaram às autoridades um dossiê que apontava
as supostas atividades de madeireiros ilegais e grileiros da região. Em questão
de dias, dois homens apareceram na oficina de Primo, na cidade de Itaiatuba, e
o mataram a bala.
Uma
fotografia ensanguentada de seu cadáver, colocada na laje do agente funerário,
foi publicada pelo tabloide local. “Há sinais de que isso foi execução”, disse
ao jornal o chefe de polícia da cidade, José Dias.
Guerra
escapou da morte, mas também ele perdeu a vida. Avisado do assassinato de seu
amigo, ele se trancou em casa, agarrado a uma espingarda para resistir aos
pistoleiros. No dia seguinte, ele foi escoltado para fora da cidade pela
Polícia Federal. Desde então, Guerra embarcou numa peregrinação solitária pelo
Brasil, viajando milhares de quilômetros em busca de apoio e segurança. Ele se
tornara o mais recente exilado amazônico – gente que é forçada a esconderijos
autoimpostos ou proteção policial por causa de suas atitudes contra aqueles que
destroem o meio ambiente.
“Eles
ordenam o assassinato de qualquer um que os denuncie” [às autoridades], disse
Guerra esta semana por uma precária linha telefônica no seu mais recente
esconderijo. “Nós pensávamos que […] se denunciássemos os crimes, eles [o
governo] fariam alguma coisa […]. Mas o resultado foi que João foi
assassinado”.
Em
junho, o Brasil hospedará a conferência Rio +20 das Nações Unidas, sobre
desenvolvimento sustentável. Líderes mundiais se reunirão no Rio para debater
como conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação ambiental e a
inclusão social.
O
Brasil poderá alardear avanços na batalha contra o desmatamento – em dezembro,
o governo disse que a destruição da Amazônia havia
caído ao seu nível mais baixo em 23 anos. Mas as contínuas ameaças aos
ativistas ambientais representam uma enorme mancha das suas credenciais em
questões de meio ambiente.
“O
que está em jogo […] é a capacidade do governo de proteger as florestas e seus povos”, diz Eliane Brum, jornalista
brasileira vencedora de inúmeros prêmios por suas reportagens sobre a Amazônia.
“Se nada for feito […], o governo estará desmoralizado às vésperas da Rio +20”.
Guerra
está longe de ter sido a primeira pessoa forçada ao exílio por se opor à
destruição. De acordo com números do governo, 49 “defensores dos direitos
humanos” estão atualmente sendo protegidas no estado do Pará, enquanto outras
36 testemunhas também estão recebendo proteção.
No
ano passado, depois dos assassinatos de grande visibilidade dos ativistas
amazônicos José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria
do Espírito Santo, duas famílias locais pegaram um avião rumo a um esconderijo
e assumiram novas identidades num rincão distante do Brasil. Como Primo e
Guerra, elas sabiam demais.
No
estado vizinho do Amazonas, onde os ativistas dizem que quase 50 pessoas correm
risco iminente de assassinato, a líder rural Nilcilene Miguel de Lima foi
forçada a fugir de casa. “Os pistoleiros e os assassinos deveriam estar na
prisão, mas sou eu que estou presa”, disse ela ao site O Eco depois que uma
tentativa de assassinato a forçou ao exílio.
José
Batista Gonçalves Afonso, veterano advogado de direitos humanos da Amazônia,
disse que já viu “incontáveis” famílias forçadas ao exílio pelo medo de serem
assassinadas. Ele atribui a culpa da situação à “ineficiência do estado em
investigar ameaças e fornecer segurança”.
Brum,
que tornou públicas as provações de Guerra, disse
que a situação dele reforça a ideia de que “não vale a pena denunciar o crime
organizado, porque denunciar significa morrer”.
“É
possível que depois do que aconteceu […], outras pessoas terão a coragem de se
rebelar e denunciar o crime organizado na Amazônia”, ela pergunta.
Ramais
de Castro Silveira, o Secretário-Executivo de Direitos Humanos do país,
descreveu a situação de Guerra como “extremamente séria” e disse que suas
preocupações eram “legítimas”. Mas Guerra não foi incluído num programa federal
de proteção a defensores dos direitos humanos porque ele não qualificava como
ativista de direitos humanos, disse Silveira. Ele admitiu que não havia nenhuma
proteção específica para ativistas ambientais, mas disse que Guerra tinha
recusado lugar num esquema de proteção de testemunhas em outra parte do Brasil
por causa de suas “restrições”.
“É
direito meu morar lá”, disse Guerra. “Eu arrisquei a minha vida para denunciar
esses crimes, mas agora eu tenho que ir embora?”
Silveira
disse que os responsáveis pelo assassinato de Primo e o exílio de Guerra seriam
capturados “no curto a médio prazo”. “Não acredito que o drama pelo qual eles
passaram e estão passando tenha sido em vão”, disse ele.
Por
enquanto, a vida de fugitivo vai cobrando o seu preço de Guerra, sua mulher e
seus filhos, que ele não conseguiu matricular na escola. “Temos que permanecer
fortes e tentar lidar com isso”, ele disse. “É o único jeito”.