Luiz Fernando Veríssimo*
Recomendo
a quem não leu o artigo publicado na Folha de S. Paulo do último dia 9 de fevereiro,
intitulado Ainda o Pinheirinho, do desembargador aposentado do Tribunal de Justiça
de São Paulo e professor de direito civil José Osório de Azevedo Jr. O artigo
trata da violenta ação de reintegração de posse da área chamada de
"Pinheirinho", próximo a São José dos Campos, SP, quando 1.500
famílias faveladas foram despejadas e seus precários barracos arrasados num
dia. Uma ação que só não teve mortos porque os favelados não tinham como se
defender dos tratores e da truculência da polícia, que cumpria ordem da justiça
e do executivo estadual.
Escreveu o
professor Azevedo Jr.: "O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo
foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento
da ordem. Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros
direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei
ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na
Constituição".
E quais
são os preceitos expressos na Constituição que contrariam e se sobrepõem à autorização
legal para a terra arrasada, como no caso "Pinheirinho"? O principal
deles está logo no primeiro artigo da Constituição: a dignidade da pessoa
humana é um dos fundamentos da República. Um valor, segundo Azevedo Jr.,
"que permeia toda a ordem jurídica e obriga todos os cidadãos, inclusive
os chefes de Poderes". Mas que não deteve a violência em "Pinheirinho".
Outro princípio constitucional afrontado foi o da função social da propriedade.
Que se saiba, a única função social da área em questão, até ser ocupada por
gente à procura de um teto, era como garantia para empréstimos bancários do
Nagi Nahas.
É comum
ouvir-se falar no "sagrado"direito à propriedade. É um direito
inquestionável, mas raramente se ouve o mesmo adjetivo aplicado ao direito do
cidadão à sua dignidade. Prestigiam-se os direitos menores e esquecem-se os
fundamentais. O maior valor de artigos como o do professor Azevedo Jr. talvez
seja o de nos lembrar a espiar a Constituição de vez em quando, e aprender o
que merece ser chamado de sagrado.
*Publicado
originalmente no Estado de São Paulo (imagem não incluída no texto original)