quinta-feira, 1 de maio de 2008

O lado obscuro do agronegócio incentivado por novas MPs

A conjuntura está prenhe de revelações significativas sobre direção e diretrizes de política que legalizam ilegítimas relações sociais na economia. Vejamos dois exemplos que têm algo em comum: terra e trabalho objeto de mudanças normativas por meio de Medidas Provisórias, na contra-mão dos princípios da igualdade e da justiça social já positivados no nosso direito social.

A primeira dessas aberrações jurídicas, denunciada oportunamente pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e de maneira muito didática em artigo de Ariovaldo Umbelino, permite a legalização de posses na Amazônia legal de ocupações pretéritas com tamanho de até 15 módulos rurais - cerca de 1.5 há na maior parte da Região. Tudo isto é feito por Medida Provisória nº 422/2008, para alegria dos grileiros, praticantes de desmatamento ilegal em terras públicas, agora equiparados ao pequeno posseiro - lembrar que o módulo rural é conceito de posse ou propriedade familiar ainda vigente, desde o Estatuto da Terra - a quem se dispensa licitação na legalização da posse.

A segunda alteração de relações sociais relevantes, no âmbito das relações de trabalho, vem com a Medida Provisóira 410/2007, que permite a contratação de trabalhadores por até 60 dias, sem inscrição de contrato na carteira de trabalho. A Medida, que é vendida ao público como de caráter simplificador, na verdade nada simplifica. Exige formalmente do contratante o preenchimento da chamada Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia e da Contribuição Previdenciária (GFIP). Mas esta, em sendo uma informação fiscal, goza do privilégio do “sigilo fiscal”, não podendo ser utilizada como prova de relação de trabalho. Traduzindo em miúdos – abre-se uma brecha enorme para legalizar o trabalho clandestino. Fragiliza-se a fiscalização do trabalho e até mesmo se dificulta o trabalho dos grupos tarefa da Polícia Federal e do Ministério do Trabalho no combate ao trabalho similar a trabalho escravo

Simultaneamente à tramitação dessas duas MPs, que por definição se dão em regime de urgência, travando a pauta do Congresso, neste dominam as discussões sobre cartões corporativos e compras de tapioca. Por sua vez, na grande mídia a implementação da Reserva Raposa Terra do Sol, depois de três anos de homologada e décadas de espera, é objeto de um tratamento altamente preconceituoso contra os legítimos proprietários, mas com indisfarçável simpatia pelos grandes arrozeiros, suas máquinas, suas armadilhas e bombas contra a polícia federal.

As mudanças normativas de relações sociais, que pelo seu caráter devem respeitar critérios do direito social calcados nos princípios da igualdade - favorecendo os desiguais - não podem ser alterados do dia para a noite, com recurso á MP. Este procedimento cria, pelo próprio processo normativo que lhe é inerente, insegurança jurídica geral, incômoda para as classes abastadas e fatal para os cidadãos comuns, titulares de direitos que dependem ativamente da salvaguarda e ação positiva do estado para exercitá-los. Este é mais um desatino que é realizado em nome da política de alianças com a base política ruralista, mas em completo conflito com princípios éticos, jurídicos e de legitimidade ao exercício do poder. E isto terá implicações e responsabilidades cobradas, por maior que seja o desprezo que os novos “maquiáveis” do planalto tenham para com os princípios da igualdade e da justiça social.

(*) Economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Fonte: RadioAgência Notícias do Planalto

P.S.: A MP dos servidores continua na mesma, mas estas aí, quanta diferença!
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