Segue nota da Comissão Pastoral da Terra sobre o último julgamento do caso Dorothy.
"Da perplexidade à indignação!
A Coordenação Nacional da CPT que vem acompanhando muito de perto todo o processo em torno ao assassinato de Irmã Dorothy Stang, sobretudo na pessoa de um de seus membros, José Batista Gonçalves Afonso, advogado assistente, vem a público se juntar à perplexidade nacional e internacional diante da absolvição do acusado de ser um dos mandantes do assassinato, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida.
Bida, em 15 de maio de 2007, foi condenado a 30 anos de prisão. Menos de um ano depois, outro júri o inocenta. A perplexidade de agora é fruto de não se entender o que se passou neste espaço entre os dois julgamentos.
O que mais chama a atenção é a mudança dos depoimentos tanto de Rayfran das Neves Sales, executor do assassinato, quanto de Amayr Feijoli da Cunha, o Tato, intermediário entre Bida e Rayfran. Rayfran assume agora toda a responsabilidade pelo assassinato como uma ação individual, contradizendo os depoimentos anteriores. Tato, como testemunha, nega ter sido procurado por Bida para intermediar o crime. E é apresentada uma gravação em vídeo em que Tato inocenta Bida de participação, vídeo este que dizem ter sido gravado em 2006, mas que não foi utilizado pela defesa no primeiro julgamento de Bida. Durante o processo, sucedeu-se de uma forma incomum a criação de novas versões dos fatos em diferentes momentos.
Um fato que levanta muitas suspeitas é que a esposa de Tato, Elizabeth Coutinho, afirmou em juízo que recebeu cerca de R$ 100 mil de Bida, por supostas dívidas. E nos autos do processo consta ainda a gravação de uma conversa entre os pistoleiros presos Rayfran e Clodoaldo em que comentam a oferta de R$ 20.000,00 para mudarem seus depoimentos, retirando a responsabilidade dos fazendeiros.
Com esta decisão a impunidade ganha mais uma batalha e se fortalece. É aí que a perplexidade se torna indignação. A CPT tem contabilizado de 1971 a 2007, 819 assassinatos no campo no Pará, sendo que somente 22 destes casos foram julgados, com a condenação de sete mandantes e treze executores. O único mandante que estava preso era Bida que agora, inocentado, está livre.
A imprensa está registrando com destaque as reações a este novo julgamento, reações inclusive do Presidente da República e de membros do STF, preocupados com a imagem do judiciário brasileiro, sobretudo no âmbito internacional.
Mas é bom lembrar que diante da impunidade recorrente, a justiça do Pará sempre foi olhada com muitas reservas. Por isso, no caso do julgamento do assassinato de Dorothy pediu-se ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a federalização do julgamento, como prevê a própria Constituição. O STJ, em 08 de junho de 2005, indeferiu por unanimidade o pedido alegando que “as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos … com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção do Estado do Pará em dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal”. Se num primeiro momento esta assertiva pareceu certa (pois em menos de 10 meses houve dois condenados), agora perde o sentido nesta etapa do processo. Sobram as lamentações.
A promotoria e a CPT como assistente de acusação impetraram junto ao Tribunal de Justiça do Estado a anulação deste julgamento visto que a sentença se contrapõe às provas inscritas nos autos.
A indignação que substituiu o primeiro momento de perplexidade cresce quando se vê que o cumprimento da função social da propriedade, determinada pela Constituição, praticamente nunca é levada em consideração pelos membros do nosso Judiciário; quando os imemoriais e mais que legítimos direitos das populações indígenas são questionados, como aconteceu com a suspensão da retirada dos invasores não-indígenas da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, pelo Supremo Tribunal Federal, provocando ações violentas contra os indígenas; quando, 22 anos depois da morte do Pe. Josimo Morais Tavares, assassinado em Imperatriz (MA), em 1986, o ex-juiz João Batista de Castro Neto, acusado de ser um dos mandantes deste assassinato, pela quinta vez consegue se esquivar de comparecer a interrogatório que seria realizado no dia de ontem, 08/05.
Mesmo assim continuamos acreditando que um dia a Justiça vencerá.
Goiânia, 9 de maio de 2008.
Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra"
Fonte:CPT
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