Por Rodolfo Salm*
Conta o artigo “Devemos ter medo de Dilma Dinamite?,” de Eliane Brum, repórter especial da revista ÉPOCA (publicado em setembro no blog Brigada Contra a Corrupção Brasileira), que, em 2004, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, concedeu uma audiência a Antônia Melo, liderança na luta contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, sobre os estudos para a construção da barragem. Segundo Eliane, depois de ouvir brevemente as preocupações de seus interlocutores com o projeto, Dilma teria apenas dado um murro na mesa, dito “Belo Monte vai sair”, levantado e ido embora. Em 2009, o então presidente Lula pegou pelo braço Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu e disse: “Não vamos empurrar esse projeto goela abaixo de ninguém”. Empurraram. Dom Erwin voltou para Altamira com a promessa de Lula de que uma nova audiência seria marcada para conversarem mais sobre os receios da comunidade local, o que nunca aconteceu.
Durante o período do licenciamento ambiental da usina, Dilma e Lula se alternavam num padrão que lembra a rotina do "tira bom, tira mau" ( “good cop, bad cop”), dos policiais norte-americanos, em que um intimida o interlocutor enquanto outro se faz passar por seu protetor.
Além disso, quem acompanha de perto a questão da construção da usina vê que a tão falada “faxina contra a corrupção” que Dilma estaria fazendo não passa, se muito, de uma limpeza muito superficial. Isso porque se restringe a questões pontuais nos ministérios dos Transportes e do Turismo e não toca, por exemplo, na corrupção associada ao setor elétrico, onde se armam os maiores golpes da atualidade.
Toda a questão do enriquecimento inexplicado de Antonio Palocci é pequena se comparada às denúncias envolvendo seu irmão Adhemar Palocci, sempre diretor da Eletronorte. Ele é acusado em uma série de casos de corrupção envolvendo a indústria barrageira, inclusive do recebimento de propina da empresa Camargo Corrêa (segundo o relatório da Polícia Federal na Operação Castelo de Areia). Escândalos que o unem a Walter Cardeal, braço direito da Dilma desde os tempos da Secretaria de Energia do Rio Grande do Sul. Todos esses, apadrinhados de José Sarney, continuam atuando livremente.
Há evidências dos “malfeitos” (diga-se, a roubalheira) ligados a esta barragem? Sim e elas não poderiam ser mais abundantes. Para quem ainda precisa ver para crer, sugiro o vídeo “Corrupção comandou liberação de Belo Monte em Altamira, no Pará”, que tem circulado na internet e comprova a compra de votos de vereadores de Altamira para facilitar a implantação da hidrelétrica na nossa região. Logo no início do filme de cerca de 3 minutos, repleto de denúncias gravíssimas, pergunta-se: “Por que a Globo não mostra isso também?”. Bem, já estão correndo rios de dinheiro público nessa obra que favorece vários dos grandes grupos empresariais do país. A pauta da emissora obviamente não poderia ir contra tais interesses porque esse nunca foi o seu negócio.
A quem ainda tiver alguma dúvida, basta assistir o especial do Jornal Nacional sobre a construção da hidrelétrica (partes 1, 2 e 3), que em vários momentos parece mais um release da empresa construtora do que uma matéria jornalística. Sem nunca expor decentemente nossos argumentos contra a barragem, a matéria tanto exalta acriticamente os supostos benefícios da obra quanto coloca seus impactos como conseqüências “inevitáveis” do “progresso”. E divulga a maior mentira de todas, exibida no episódio do dia 28 de agosto , que é o chamado resgate da fauna:
“Biólogos acompanham tudo. Os bichos que vivem na região têm que ser preservados. É uma das exigências do Ibama para reduzir os danos ao meio ambiente (...) Os que não conseguem fugir são resgatados e soltos em lugar seguro. Em dois meses e meio já foram salvos 1,2 mil animais”, diz a repórter Cristina Serra, apresentadora da matéria.
Citações como esta, “de primeira, eu achava até bonito derrubar uma árvore. Hoje, não. Hoje, para derrubar, eu tenho que pensar duas vezes”, do encarregado da obra, supostamente vacilante em cortar duas castanheiras que restavam de pé no canteiro de obras, são estratégicas para dar a impressão de que as coisas vão bem para a natureza no Xingu.
Ao invés de “salvar” algum animal, o “resgate” serve apenas para gerar imagens como a da jornalista se divertindo com uma cobra enrolada no braço (“parece uma pulseira, que barato!”), e de biólogos-de-aluguel passando para os desavisados a idéia equivocada de que a natureza está sendo de alguma forma protegida. Devem pensar que se até as cobras – esses rastejantes peçonhentos e desprezíveis – estão sendo bem tratadas e removidas para um “local seguro” é porque a natureza está sendo preservada.
Mentira. A enorme maioria dos animais atingidos por uma obra como essa morrem (afogados, por falta de comida e abrigo ou na competição com outros animais, ao serem expulsos de seus locais de vida) sem que ninguém se dê conta disso. E essa ínfima fração supostamente resgatada não tem nem onde ser solta, porque as áreas de floresta remanescentes geralmente estão saturadas com a sua própria fauna local. Na verdade, a implementação de obra desse porte em um dos últimos grandes rios do planeta preservados, no coração da última grande floresta tropical do mundo, é uma tragédia do começo ao fim, para a diversidade da vida na Terra e, em última instância, para a humanidade como um todo.
*Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) em Altamira, e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte. Artigo publicado originalmente no sítio do Correio da Cidadania.