Eles contestam informações da Norte Energia de que
não serão impactados pela usina e temem extinção de peixes e perda dos
territórios de caça
Os índios xikrin da Terra Indígena
Trincheira-Bacajá, no Pará, convidaram o procurador da República Felício Pontes
Jr para reuniões no mês passado e solicitaram que o Ministério Público Federal
adote medidas contra a usina hidrelétrica de Belo Monte. Eles moram às
margens do rio Bacajá, afluente que deságua justamente no trecho do Xingu que
deve desaparecer com a barragem.
Os estudos de impacto da hidrelétrica mencionam
impactos sobre o Bacajá apenas com base em fontes secundárias. Apenas em
2011 começaram a ser feitos estudos complementares com termo de referência
específico para determinar os efeitos da usina no afluente e nos Xikrin que
nele vivem. Os índios, durante a visita do procurador, relataram que os
engenheiros da Norte Energia afirmaram por diversas vezes que eles seriam
informados dos impactos, o que ainda não aconteceu.
Os xikrin se dizem muito preocupados com a falta de
respostas e, durante as reuniões, sobretudo os líderes mais velhos pareciam
muito certos dos impactos que sofrerão. Os anciões xikrin se revezaram
durante dois dias, 13 e 14 de outubro, dizendo à equipe do MPF palavras de
preocupação, indignação e relatando o desrespeito que sofrem.
A grande preocupação dos anciãos é com as gerações
futuras. “Nós não queremos Belo Monte. Nosso rio Bacajá é
pequeno. Se sair Belo Monte, o que nossos filhos e netos vão comer?
Até pra beber água vamos precisar de outro rio. Quero o rio para sempre”,
disse um dos velhos xikrin ao procurador Felício Pontes Jr.
Os índios explicaram que os peixes sobem o rio
Bacajá até a cabeceira para desova, vindo da Volta Grande do Xingu. Com a
diminuição de 80% a 90% no volume de água da Volta Grande, os indígenas
concluem que haverá o desaparecimento dos peixes.
Eles também afirmam que os territórios de caça
serão perdidos, porque os animais terão que buscar água em outro lugar com a
mudança na qualidade e na vazão do rio. Informaram ao MPF que há um forte
declive do rio Bacajá. Os trechos do alto e médio Bacajá estão em
altitude superior ao de sua foz e, com diminuição drástica no volume de água da
Volta Grande do Xingu, haverá aceleração considerável da vazão do rio Bacajá,
com consequente diminuição do volume de água.
O cacique Bepkatenti, que conhece bem o rio Bacajá,
lembrou durante a reunião do tempo de uma seca muito grande. “O rio
Bacajá ficou, em alguns trechos, como poças de água parada”. Ele afirma
que assim será permanentemente se a barragem for construída. “Hoje tenho
muitos netos e caço pra eles comerem. Quando vier a barragem, não vai ter
comida”, completou o velho Potpa Xikrin.
Outra liderança, Bep-Djare Xikrin, disse que se
sente enganado pelos brancos, porque receberam promessas do governo de que, com
a construção da usina, eles seriam beneficiados com verbas para moradia, saúde,
educação e transporte. Em vez disso, os índios acusam a Norte Energia de
estar recebendo e administrando todo o dinheiro destinado às aldeias.
“Construtor de Belo Monte promete muito e nunca
faz”, resume Bep-Djô Xikrin, liderança da aldeia Bakajá, uma das oito que
existem dentro da Terra Trincheira-Bacajá. “Estão mentindo para mim há
muito tempo. O governo só quer fazer Belo Monte, só pensa nisso, não
pensa nos índios”, conclui.
Além de líderes das aldeias e da equipe do MPF,
participaram das reuniões a antropóloga Clarice Cohn, da Universidade Federal
de São Carlos e integrantes do Instituto Socioambiental e do movimento Xingu
Vivo para Sempre, também convidados dos índios. Os relatos e pedidos dos
índios serão incorporados a mais uma das investigações do MPF sobre Belo
Monte. Atualmente, os procuradores da República que atuam no Pará
acompanham mais de 40 investigações sobre problemas causados pela hidrelétrica.
Fonte: MPF - Ministério
Público Federal