Por Dalmo de
Abreu Dallari*
Algumas
omissões surpreendentes da imprensa chamam mais a atenção do que muito
noticiário e geralmente são reveladoras de alguma cumplicidade. Quando ocorre
um fato público importante e – sem que se possa vislumbrar qualquer interesse
ponderável na omissão – a imprensa silencia sobre ele, é óbvio que existe
alguma razão oculta para o silêncio.
Isso
vem ocorrendo em relação à pretensão da criação de dois novos estados mediante
desmembramento de partes do estado do Pará. Já está marcada a data para
realização de um plebiscito sobre essa proposta e obviamente muitos dos
interessados estão em plena campanha.
Pela
relevância dessa decisão, que poderá acarretar sérias consequências políticas e
financeiras para todo o Brasil, com a criação de despesas públicas que montarão
a milhões de reais e serão pagas por todo o povo brasileiro, o assunto é de
óbvio interesse público. E nada tem aparecido na imprensa sobre isso, sendo
mais do que evidente a ocultação deliberada de fatos relevantes, como será bem
fácil demonstrar.
Bilhões de reais
O
jornal O Estado de S.Paulo publicou um editorial com o título “Audiência pública no TST” (5/8/2011,
pág. A3). Como é óbvio, a escolha desse tema para um editorial da página onde
se expressa a opinião do jornal já é uma demonstração do reconhecimento da
importância do assunto.
O
editorial começa informando que, “seguindo o exemplo do Supremo Tribunal
Federal (STF), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu promover
audiências públicas para dar publicidade aos casos mais polêmicos em
julgamento, com grandes implicações sociais, econômicas e políticas”. E depois
de expender considerações minuciosas sobre a audiência pública, o editorial
ressalta alguns efeitos que considera muito positivos nessa inovação,
ressaltando que “as questões legais serão debatidas juntamente com questões
econômicas e políticas, permitindo aos ministros da Corte ouvir diretamente a
opinião daqueles que serão afetados por seus julgamentos”. E conclui, com
evidente entusiasmo quanto à inovação, que a audiência pública aumentará a
certeza jurídica nas relações entre os interessados.
No
mesmo dia da publicação desse editorial foi realizada em Brasília a primeira
audiência pública do Tribunal Superior Eleitoral, reunindo pessoas e entidades
interessadas na definição das condições do plebiscito que será realizado no dia
11 de dezembro, para consulta à população sobre proposta de desmembramento do
estado do Pará, para a criação de dois novos estados na federação brasileira,
Carajás e Tapajós.
Entre
os participantes da audiência, que reuniu mais de cem pessoas, estavam
ministros e desembargadores, a vice-Procuradora Geral Eleitoral Federal e o
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Estavam presentes também
parlamentares, partidos políticos, juristas, jornalistas e entidades mais
diretamente envolvidas no encaminhamento do assunto.
O
número e a qualidade dos presentes decorreu da enorme importância da decisão da
proposta. Em termos financeiros, além do elevado custo decorrente do aumento do
número de parlamentares, haverá também o custo elevadíssimo da implantação dos
novos estados, cada um com suas instalações altamente onerosas para abrigar os
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Para
a manutenção desse aparato a população de todos os demais estados brasileiros é
que irá arcar com as despesas, que no total deverão atingir alguns bilhões de
reais. E até agora não foi feita qualquer demonstração ou estimativa dos
efeitos sociais da criação dos novos estados, sabendo-se apenas que há grupos
políticos e econômicos altamente interessados nessa criação, sendo evidente que
as condições de vida da população não estão entre os motivos de sua
reivindicação.
Moralista e indignada
Apesar
disso tudo, e não obstante a evidente importância da audiência pública
realizada no Tribunal Superior Eleitoral, a imprensa ocultou esse fato, não o
noticiou antes nem publicou depois qualquer informação sobre ele.
O
conhecimento do que se passou na audiência e dos efeitos que ela pode produzir
é de interesse mais do que óbvio de toda a população brasileira, pois, além de
tudo o mais, a criação dos novos estados acarretará despesas públicas que
montarão a muitos milhões de reais e que deverão ser suportadas pelos
contribuintes de todos os estados brasileiros.
Quais
seriam os motivos e de quem seria o interesse, levando a imprensa a ocultar
tudo isso do povo brasileiro? Onde está a imprensa moralista e sempre indignada
quando se cogita de um aumento mínimo da tributação?
Está
silenciosa, cúmplice da imoralidade.
*Dalmo de
Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo Fonte: Observatório da Imprensa
em 08/11/2011 na edição 667
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