Obra alagaria uma área de cerca de 73 mil hectares de florestas, segundo indígenas, com financiamento do BNDES.
Fabio Murakawa*
A pressão de comunidades
indígenas levou a construtora brasileira Odebrecht a desistir da construção de
uma usina hidrelétrica na Amazônia peruana. A obra alagaria uma área de cerca
de 73 mil hectares de florestas, além de provocar o deslocamento de 14 mil
pessoas, segundo dados fornecidos pelos nativos à imprensa local.
O caso se junta a outros
conflitos envolvendo grandes obras de empreiteiras brasileiras e comunidades na
América Latina. Recentemente, após meses de confronto com grupos nativos, o
presidente da Bolívia, Evo Morales, cancelou o trecho de uma rodovia financiada
pelo Brasil que cortaria um território indígena no centro do país. A obra, a
cargo da brasileira OAS, tem um financiamento de US$ 332 milhões do BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Na Nicarágua, uma
hidrelétrica tocada pela construtora Queiroz Galvão foi alvo da ira de
camponeses por causa do valor de indenizações. Em 2010, 400 produtores
invadiram os escritórios do projeto em sinal de protesto.
O diretor da Odebrecht no
Peru, Erlon Arfelli, comunicou a desistência em uma carta ao Ministério de
Minas e Energia no fim de outubro, atribuindo o fato à "posição das
comunidades nativas". "Frente a esse cenário, e sendo respeitosos com
a opinião da população local, decidimos não continuar com os estudos
complementares sobre a Central Hidrelétrica Tam40", disse.
A Odebrecht havia recebido
em novembro de 2010 uma concessão temporária do governo peruano para a realizar
"estudos de factibilidade" a respeito da usina, localizada na região
de Junín, a 300 km
a nordeste de Lima. A obra faz parte de um acordo firmado pelos ex-presidentes
Luiz Inácio Lula da Silva e Alan García no ano passado e que prevê a construção
de seis centrais elétricas em rios peruanos com potencial para gerar 6.000 MW.
Além de ser alvo de ambientalistas por causa dos possíveis danos ambientais, o
pacto tem sofrido críticas no Peru por supostamente ser mais vantajoso ao
Brasil - que seria destino da maior parte da energia gerada nas usinas, além de
exportar serviços e insumos de suas empreiteiras ao país vizinho, com
financiamentos do BNDES. O acordo ainda precisa ser ratificado pelo Congresso
peruano.
Em recente entrevista ao
jornal peruano "La
República ", Ruth Buendía Mestoquiari, presidente da
Associação de Comunidades Ashaninkas do Rio Ene (Care), mostrou-se preocupada
com os transtornos "irreparáveis" que os deslocamentos causariam.
"Nós temos títulos de propriedade, temos ranchos, terrenos, onde nos
desenvolvemos culturalmente. É o mesmo que te tirarem da tua casa em
Lima", disse ela.
Em meio à resistência dos
indígenas e à repercussão negativa na mídia local, representantes da empresa
estiveram recentemente na região reunidos com representantes das comunidades, a
convite dos nativos. Após ouvir in loco críticas ao projeto, a construtora
jogou a toalha e comunicou a desistência.
Na carta enviada ao
governo, no entanto, Arfelli deixou uma porta aberta. "Ficamos à sua
disposição, assim como de outras autoridades e representantes das comunidades
nativas, para que, caso manifestem seu interesse no desenvolvimento sustentável
desse projeto, avaliemos a eventual continuidade dos estudos."
Procurada pelo Valor, a
empresa não quis se pronunciar nem confirmou dados sobre o projeto.
*Fonte: Valor Econômico