“Aliás, faço aqui um apelo a imprensa, organizações não governamentais, centros acadêmicos, institutos, faculdades, sociedade civil organizada, DCEs e instituições cientificas: por favor, nos ajudem.”
Passa Palavra (PP): Quais as principais reivindicações que motivam esta greve?
Estêvão Fernandes (EF): Hoje o que se pede é a saída imediata do atual reitor, para que se possa investigar devidamente as denúncias de irregularidades em sua gestão.
PP: Como se deu o processo de construção
desta mobilização?
EF: Na minha opinião, esta foi a beleza
de toda a coisa. Alguns alunos isoladamente foram se mobilizando para buscar
melhorias em nossa universidade. Há um laudo recente do corpo de bombeiros (disponível para leitura online) que retrata
bem o estado de abandono de nosso campus em Porto Velho. O mesmo pode ser dito
com relação a maioria dos campi do interior. Enfim, os alunos foram se
mobilizando, buscando melhores condições de estudo, aumento no número de
professores e demandas básicas como água para dar descargas nos banheiros,
iluminação no campus à noite,… Os alunos puxaram esse movimento por melhoria
aos poucos e, de repente, o movimento havia crescido exponencialmente. Os
professores acabaram aderindo, já que também sentimos na pele o que eles
sentem. Os professores, pela manhã, decidiram em assembleia paralisar suas
atividades. À tarde, foi a vez dos estudantes. Seja como for, foi entregue uma
pauta de melhorias ao reitor que, em resposta, disse que 95% das exigências do
movimento já haviam sido atendidas. A partir daí, cessaram todas as
possibilidades de diálogo, as denúncias de desvios e desmandos foram surgindo e
culminaram em um dossiê de 1.500 páginas com provas de irregularidades na universidade.
Nesse meio tempo, os alunos ocuparam a reitoria, não como forma de vandalismo
ou mero protesto, mas sim para salvaguardar os documentos que lá se encontram,
evitando assim que eventuais provas sejam destruídas ou removidas. Depois disso
uma comissão de alunos e professores grevistas foi ao MEC e a Casa Civil e
ouviu tanto lá quanto cá, de forma oficiosa, que nada haveria a ser feito, dado
que nosso reitor é aliado e amigo pessoal do atual presidente do PMDB e sua
esposa, senadora e deputada federal por Rondônia, respectivamente. O MEC
instaurou uma comissão de sindicância, indo de encontro ao que os grevistas
pediam: o afastamento do reitor enquanto as investigações prosseguissem, já que
provas peremptórias haviam sido entregues, não apenas denúncias ou indícios. De
lá pra cá os ânimos se acirraram, com perseguições e coação a alunos e
professores. Vários de nós têm buscado dormir em casas de amigos, alunos estão
com medo, recebemos um bilhete dizendo que em breve alguns de nós – eu,
inclusive – logo desceríamos na enchente do rio: uma clara referência ao hábito
de se desovar cadáveres no rio Madeira. Ainda nesta semana a aluna que foi ao
MEC, junto com a comissão, e que tem sido seguida pela cidade, recebeu a
“visita” de homens encapuzados em sua casa que lhe disseram “Você vai morrer”…
Além disso, tivemos um professor preso, enquanto chupava um pirulito na
reitoria da Universidade – as imagens estão disponíveis na
internet; um deputado federal agredido nesta mesma ação, pela
Polícia Federal e, mais recentemente, dois alunos foram presos com panfletos,
pela PF. É importante que se diga, aliás, que o único motivo pelo qual os
professores estão se revezando e dormindo ao relento, na porta da reitoria da
Universidade, é para salvaguardar a segurança física dos alunos que lá dentro
se encontram.
EF: Muita gente tem medo de perseguição mas pode
se dizer, de um modo geral, que praticamente todos os alunos e professores
aderiram. Pela forma como o movimento nasceu e em resposta às ações truculentas
e às ameaças a coisa acabou se massificando.
EF: Completamente. Tem sido comum vermos pela
cidade de Porto Velho carros com os vidros pintados com os dizeres “Eu apoio a
greve da Unir”. Acabou se transformando em um movimento pela ética e pela
qualidade do ensino, mais do que algo contra um reitor específico. É uma
mudança que se pretende estrutural, não apenas conjuntural, e a população
entendeu isso e apoia o movimento. Como não haveria de apoiar, vendo os alunos
dormindo em um prédio cuja água e luz foram cortadas pelo reitor e vendo os
professores dormindo ao relento para proteger seu alunos?! Depois de ver
professores sendo levados a um presídio comum por policiais a paisana com
pistola em punho.
PP: Conforme se lê nos comunicados da
greve, as forças políticas contrárias ao movimento têm adotado métodos de
repressão escandalosos. Em sua opinião, quais são os setores políticos mais
interessados em coibir o movimento?
EF: Prefiro não falar muito sobre isso, ao menos
não mais do que eu já disse antes, mas sugiro fortemente a leitura do blog dos
grevistas:http://comandodegreveunir.blogspot.com
PP: Além do explícito objetivo de
manutenção da ordem, do seu ponto de vista, haveria alguma motivação especial
para o uso de tão elevado grau de violência por parte do Estado e de outros
grupos informais?
EF: Sim, claro que sim! A greve é uma greve por
princípios: morais, democráticos e pela liberdade de expressão. A repressão
forte ao movimento nos diz não apenas como esses princípios são tratados na
amazônia brasileira mas, sobretudo, o estado de abandono e rendição que é
imposto às instituições de ensino na amazônia. Como assim, professores e alunos
são presos, apanham, são ameaçados, porque querem um restaurante universitário,
um hospital universitário (cuja verba já está disponivel, diga-se), um colegio
de aplicação? Apanhamos, somos presos e ameaçados pela completa ausência do
Estado ou, pior, de um estado que vendeu sua dignidade em nome de uma pretensa
governabilidade… mas, a quê preço?!
PP: Frente a isso, que tipo de cuidado os
militantes têm tomado?
EF: Além dos que já mencionei (dormir em casa de
amigos ou conhecidos), as pessoas tem mudado um pouco a rotina, pegando
caminhos diferentes dos que pega diariamente, trocando de carro no meio do
persurso para casa, andando em grupo… Depois que recebemos o bilhete ameaçando
nossas vidas, fomos à Polícia Civil, Polícia Federal e Ministério Público. Além
disso, uma forma fundamental de nos resguardarmos tem sido o uso da internet e
das redes sociais. Uma vez que as pessoas fora de Rondônia saibam o que tem acontecido
por aqui, nossa esperança é de que o poder público finalmente se faça presente
por aqui e que possamos andar na rua sem ter medo. No interior, por exemplo, o
carro de um professor foi atingido em movimento por um motociclista que quebrou
o vidro de seu carro com um tijolo, no qual estava um bilhete com os dizeres “o
próximo vai ser na sua cara, seu filho de uma vadia”…
PP: Quais entidades, grupos ou
organizações, dentro ou fora de Rondônia, têm demonstrado apoio e preocupação
com a situação de vocês? Este apoio tem sido o suficiente?
EF: Todo o apoio que temos recebido (a lista está
no blog do comando de greve, mencionado acima) tem nos ajudado a persistir na
luta. O que mais nos preocupa é a invisibilidade de nossa crise no cenário
nacional, e as notas de apoio nos dão fôlego, mostram que, afinal, os moinhos
de vento não são assim tão assustadores e que não estamos sozinhos. Entretanto,
numa situação dessas, todo o apoio ainda é pouco, já que lutamos contra forças
políticas, as quais imaginamos que não existam mais em um país que se pretende
uma potência internacional, como no caso do Brasil. Aliás, faço aqui um apelo a
imprensa, organizações não governamentais, centros acadêmicos, institutos, faculdades,
sociedade civil organizada, DCEs e instituições cientificas: por favor, nos
ajudem. Suas moções de apoio, seus emails, sua solidariedade tem sido realmente
muito importante para nós e muitas vezes a garantia de segurança.
PP: O que podem fazer pessoas e
organizações que, estando longe de Rondônia, estejam dispostas a ajudar e
prestar solidariedade à greve?
EF: De tudo, desde simplesmente entrar no blog do
comando de greve e se informar sobre o que tem ocorrido até enviar e-mails aos
parlamentares, MEC, MPF, Casa Civil, Presidência… É preciso que as pessoas
saibam, aqui, que há gente lutando pelos valores que defendemos, fora daqui,
que, afinal, tudo isso não tem sido em vão… Se quiserem nos enviar moções de
apoio, postar no twitter ou no facebook, pressionar os órgãos de imprensa, toda
a ajuda, mesmo individual, é mais que bem-vinda.
Leia Aqui artigo do Profº Estêvão sobre
as ameaças de morte na UNIR
Fonte: Passa Palavra