Letícia
Leite*
Já
são visíveis da rodovia Transamazônica as crateras onde devem ser instaladas as
turbinas da hidrelétrica de Belo Monte. A cena impressionou cinco senadores, na
tarde da sexta (5/4). Além de visitar os canteiros, os parlamentares andaram
pelas ruas de Altamira, cidade que abriga o maior e mais cara obra em andamento
no País, onde mais de 100 mil pessoas ainda vivem sem água potável e rede de
esgoto.
Sitio Pimental visto do km 52 da Rodovia Transamazônica. Os buracos gigantes nas rochas vão abrigar as turbinas da casa de força principal de Belo Monte |
Depois
da visita, a subcomissão de senadores que acompanha as obras da usina prometeu
realizar audiência em Brasília, ainda esta semana. O presidente do colegiado,
Delcídio do Amaral (PT-MS), disse que deve se reunir com a ministra do Meio
Ambiente, Izabella Teixeira, para encaminhar soluções para os problemas na
execução das condicionantes do licenciamento ambiental do empreendimento. A
previsão é de que os parlamentares retornem à Altamira em agosto.
A
visita aconteceu na mesma semana em que o Ministério Público Federal (MPF)
pediu à Justiça Federal, em Altamira, que suspenda a licença de instalação da
hidrelétrica, conforme prevê a legislação brasileira, para o caso de
descumprimento das condicionantes. “Altamira vive um colapso, mais 50 mil
pessoas chegaram à cidade depois que as obras começaram e nenhum quilômetro de
rede de esgoto foi construído”, explica a procuradora Thais Santi. A ação
judicial pede ainda que a Norte Energia, responsável pelo projeto, seja
condenada ao pagamento de indenização por dano moral difuso, em valor a ser
determinado pela Justiça. (veja a ação).
Além
de Amaral, os senadores Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Ivo Cassol (PP-RO), Blairo
Maggi (PR-MT) e Valdir Raupp (PMDB-RO) visitaram os canteiros principais, o
sistema de transposição de barcos, o lixão da cidade e a futura vila dos
trabalhadores da Norte Energia. O grupo ainda participou de uma reunião pública
para ouvir a população.
A
visita aconteceu um dia antes da 9ª paralisação dos trabalhadores de Belo
Monte. Cerca de cinco mil operários cruzaram os braços para pedir o cumprimento
de reivindicações trabalhistas, incluindo o pagamento do adicional de insalubridade.
Das
22 condicionantes, quatro estão concluídas e “todas estão em andamento, nada
está parado”, disse João Pimentel, diretor da Norte Energia. (ouça entrevista).
O lixão de Altamira recebe 155 toneladas de lixo por dia. Terreno a menos de 1 km do local foi comprado pela Norte Energia para reassentamento da população atingida pela obra |
Reservatório no Xingu pode se transformar em lago de esgoto
O
MPF diz que boa parte das condicionantes não saiu do papel. Elas foram
determinadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) há três anos, para concessão da licença prévia e, em 2011,
para obtenção da licença de instalação.
Altamira
despeja todo seu esgoto no Rio Xingu, de acordo com o secretário de Obras do
município, Pedro Barbosa. “No projeto da empresa Geo Engenharia (contratada
pela Norte Energia), não havia a construção de um sistema de tratamento, eles
querem abrir encanamento nas ruas e continuar jogando o esgoto no Xingu”,
argumenta Barbosa.
Com
o futuro fechamento da barragem principal de Belo Monte, o esgoto despejado no
rio deverá se acumular no reservatório de águas paradas que será formado em
frente à cidade, comprometendo a qualidade da água do futuro reservatório.
A
construção de um novo sistema de abastecimento de água potável e de 261
quilômetros de rede de esgoto, que deveria ter sido iniciada em julho de 2011,
ainda não começou. O aterro sanitário de Altamira deveria ter sido entregue em
julho do ano passado, mas um acordo entre a Norte Energia e o Ibama prorrogou o
prazo para julho deste ano. Já a transferência do lixão deve ser finalizada até
julho de 2014. A condicionante 2.10 da licença exige expressamente que esses
prazos sejam respeitados, mas o último parecer do Ibama, responsável por
fiscalizar Belo Monte, confirma que até agora nenhuma das obras foram
implementadas.
“A
cidade produz 155 toneladas de lixo por dia e o equipamento adquirido pela
Norte Energia só é capaz de prensar 25% desse lixo”, completa Barbosa.
“Com
30% das obras concluídos e 16 meses depois de seu início, a imponência da obra
contrasta com a impotência na implementação das condicionantes socioambientais,
que afetam diretamente a qualidade de vida dos moradores da região”, diz André
Villas-Bôas, secretário executivo do ISA. (saiba mais)
O
último relatório de prestação de contas da Norte Energia ao Ibama aponta a
compra de duas áreas para alocar pessoas que serão obrigadas a sair de suas
casas para a formação do reservatório. Em março, a reportagem do ISA visitou os
terrenos e verificou que, há 16 meses do fim do prazo para o reassentamento,
sua implantação ainda não começou. Uma das propriedades fica há menos de um
quilômetro do lixão de Altamira. A Norte Energia terá que construir 365 casas
por mês para cumprir o compromisso assumido na licença de instalação.
“Todas
as 22 condicionantes acontecem paralelamente ao andamento das obras das
barragens. E os prazos serão cumpridos não apenas porque temos essa obrigação,
mas também porque entendemos que Belo Monte é diferente por oferecer condições
concretas de desenvolvimento para a região”, disse Duilio Figueiredo,
presidente da Norte Energia, em nota oficial.
Em Altamira, 150 mil pessoas vivem sem rede de esgotos. As obras de saneamento fazem parte das condicionantes não cumpridas pela Norte Energia |
“Não
é justo uma obra tão importante para o Brasil não pensar na compensação da
saúde, o hospital tinha que estar pronto”, declarou Ivo Cassol, em entrevista à
Rádio Senado. A construção do novo hospital municipal da cidade é mais uma das
condicionantes não cumpridas pela Norte Energia.
Na
semana passada, o ISA denunciou o caos da saúde nas Reservas Extrativistas
atendidas por Altamira. (leia mais).
*Fonte:
Instituto Socioambiental