Luciano Nascimento*
A certeza do usufruto do seu
território ainda parece estar distante para as comunidades que vivem na terra
indígena, ao norte de Roraima. Depois de uma luta de mais de 35 anos pela
demarcação contínua de suas terras e pela retirada dos não índios da área, um
novo-velho fantasma atormenta: a construção de usinas hidrelétricas nos limites
da terra.
Os
índios temem que o governo federal desengavete o projeto de construção de uma
usina hidrelétrica no Rio Cotingo, que atravessa a região. Repetindo os casos
do Rio Xingu, onde se constrói a Usina de Belo Monte e, mais recentemente, do
Rio Tapajós, onde o governo também iniciou estudos de impacto ambiental para a
construção de hidrelétricas.
Esta
última, inclusive teve o processo de licenciamento ambiental temporariamente
suspenso porque, de acordo com a Justiça, não cumpriu o que determina a
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil
é signatário. Segundo a convenção, é preciso consultar os povos indígenas e as
populações tradicionais que possam ser atingidas por este tipo de
empreendimento.
Caso
o projeto da hidrelétricas do Rio Cotingo avance, o primeiro lugar a ser
inundado será a comunidade Tamanduá, na Região da Serra.
“Essa
hidrelétrica é antiga, né?. Falavam que era bom para o povo, mas depois a gente
foi reconhecendo a verdade. Fomos buscar a história [por que] a barragem não é
boa para o povo indígena. Logo vimos que [a obra da hidrelétrica] alagava isso
aqui tudo”, conta o tuxaua (líder) da comunidade Tamanduá, Hélio da Silva.
A
proposta está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e,
caso avance atingirá todas as comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do
Sol, pois prevê a edificação de cinco barragens, o que vai afetar toda a região
do Rio Cotingo. De acordo com o tuxaua Hélio da Silva, os índios já ouviram
rumores de que a intenção é dar início aos estudos de impacto ambiental, já em
2014. Segundo ele, o local já foi visitado por técnicos e, a mando do
ex-governador Neudo Campos, a polícia destruiu “quatro casas e [espancou] dois
companheiros”, para retirar a comunidade do local.
“Tem
esse plano do governo do estado, junto com o governo federal, querendo
construir essa Usina de Tamanduá. Tem comunidade naquele local que tira o
sustento de lá. [Caso seja] construída, essa usina vai alagar o local onde as
comunidades produzem”, diz Abel Lucena, um dos líderes indígenas para quem a
construção da hidrelétrica é contrária aos projetos de produção e
sustentabilidade que os indígenas estão implantando em Raposa Serra do Sol.
Lucena diz que não houve qualquer tipo
de consulta aos indígenas. “Eles faz a matéria deles e publica sem nem mesmo
consultar a gente. Por isso a revolta da liderança de não aceitar. Ninguém está
contra a energia, mas vamos estudar qual energia nós vamos precisar, qual vai
trazer benefícios para a comunidade”.
A
observação de Lucena é reforçada pelo biólogo Ciro Campos, do Instituto
Socioambiental (Isa), entidade que desenvolve projetos de preservação ambiental
e de apoio aos índios. Campos defende a possibilidade da utilização de energia
eólica na região. Ele coordena um estudo, feito em parceria com a Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), que vai identificar o potencial de aproveitamento
dos ventos para a geração de eletricidade.
“A
decisão de construir hidrelétrica aqui no Tamanduá é mais politica e visa ao
fornecimento [de energia] em larga escala para todo o estado. Para o
fornecimento desta região aqui, a energia [de uma] Cachoeira do Tamanduá [tem
escala] muito acima da necessidade da região”.
Ele
acredita na viabilidade da geração de energia dos ventos conjugada com a solar,
ambos abundantes em Raposa Serra do Sol, o que evitaria o impacto ambiental
causado pela construção de grandes usinas hidrelétricas. “A energia do vento,
se fosse conjugada com a energia do sol, talvez com energia de
mini-hidrelétricas, poderia reduzir o consumo de diesel [que abastece toda a
região] em até 95%”.
Pós
um longo período de luta pela demarcação e homologação da terra, os índios
também temem que a construção da hidrelétrica seja uma nova porta para a
entrada de milhares de pessoas em Raposa Serra do Sol. Em março, durante a 42ª
Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, foi divulgado um documento
pedindo a interrupção do projeto de construção da hidrelétrica na Cachoeira de
Tamanduá e reivindicando a participação na elaboração de programas e políticas
que atendam às suas expectativas e necessidades.
No
documento, entregue ao secretário de Articulação Social da Secretaria Geral da
Presidência da República, Paulo Maldos, os índios também pedem a revogação das
19 condicionantes impostas durante o julgamento da demarcação da Raposa Serra
do Sol e reiteram o apoio à “luta do povo Munduruku afetado pela construção do
complexo hidrelétrico do Rio Tapajós, de nossos parentes afetados pela
construção da Hidrelétrica de Belo Monte, e o sofrimento do povo Guarani
Caiuá”.
*Fonte: Agência Brasil –Edição: Tereza
Barbosa