Um adolescente morreu no
último fim de semana depois de ser picado por um escorpião. Populações
tradicionais da Terra do Meio (PA) não têm um Sistema de Saúde que dê conta de
seu isolamento geográfico
O Secretário de Saúde de Altamira, Waldeci Maia, atribui a dificuldade em contratar os três enfermeiros à construção de Belo Monte. Segundo ele, muitos profissionais foram absorvidos pela obra. “É difícil encontrar profissionais qualificados e dispostos a morar em áreas isoladas, além disso, a prefeitura não consegue competir com os salários pagos pela Norte Energia”, explica.
À direita, Francenido Rocha, que faleceu por falta de atendimento médico |
Cerca de mil extrativistas
da Terra do Meio, no município de Altamira, no centro do Pará, dispersos em
mais de dois milhões de hectares de Reservas Extrativistas (Resex), vivem sem
serviço público de saúde. Os pedidos de resgate de emergência são feitos por
rádio e só em horário comercial. O hospital público mais próximo, em Altamira,
fica a uma distância que pode chegar a quatro dias de barco.
A prefeitura da cidade está
sem condições de lidar com o aumento da demanda extra no sistema de saúde com a
vinda de 50 mil novos moradores atraídos pela construção da hidrelétrica de
Belo Monte, deixando os extrativistas, que vivem no município, ainda mais
vulneráveis, sem a atenção mínima necessária. Este é o cenário em que vivem as
pessoas responsáveis por conservar a floresta numa região que é palco de um dos
maiores conflitos fundiários do Brasil (veja
Especial sobre a Terra do Meio).
Antônio Rocha, o “Tonheira”,
e toda família estavam coletando açaí e patauá na floresta. Um dos irmãos,
Valdeci, 19 anos, foi picado por uma cobra. “Quando ele desceu do pé de patauá
sentiu a picada”, conta Lindomar Rocha, irmão mais velho. O pai carregava
apenas uma dose do elixir conhecido por “específico pessoa”. O filho igeriu-o
imediatamente. A substância é usada pela população regional na ausência do soro
antiofídico.
No caminho de volta, outro
acidente: Francenildo, 13 anos, foi picado por um escorpião. “Já não tinha mais
o que fazer, nós só tínhamos uma dose do específico”, lamenta o irmão mais
velho, que viu Francenildo morrer no mesmo dia.
A família mora na Resex
Riozinho do Anfrísio e vive da extração e comercialização de óleos da floresta,
da produção de canoas, remos e cestos, pesca, castanha e outros produtos.
Também foi protagonista de um programa da série “Florestabilidade”, do canal
Futura (veja
vídeo).
A Terra do Meio é uma das
regiões mais importantes para conservação da diversidade socioambiental da
bacia do Xingu (leia o atlas "De Olho na Bacia do Xingu"). Cerca
de 90% de seu território ainda estão bem conservados graças às populações
ribeirinhas e indígenas que vivem ali há gerações, usando de conhecimentos
tradicionais para extrair da floresta tudo o que a floresta é capaz de
recompor.
Valdeci recebeu alta, nesta
terça-feira, do hospital municipal de Altamira. O jovem recebeu atendimento
depois de uma complexa operação de resgate, que durou toda a sexta-feira santa
e envolveu o Ministério Público Federal (MPF), ISA, Secretaria de Saúde de
Altamira e Polícia Militar.
A procuradora do MPF Thais
Santi visitava a região para verificar justamente a situação de saúde e
educação local. Na manhã de sexta-feira (30), ela conseguiu, por sorte,
comunicação com um operador de rádio em Altamira e a liberação de um
helicóptero da polícia militar, que buscou o adolescente em uma Terra Indígena
(TI) próxima.
Unidades de saúde não
funcionam
Nos últimos anos, o ISA, a
partir da demanda da comunidade e de termo de cooperação assinado com a
prefeitura, captou recursos por meio de projeto com o Fundo Vale e construiu
três Unidades Básicas de Saúde (UBSs) nas Resex do Rio Iriri, Rio Xingu e Riozinho
do Anfrísio. Segundo o acordo, o município é responsável pelo funcionamento das
unidades e contratação de técnicos de enfermagem. “No ano passado a prefeitura
até recebeu currículos indicados pelas comunidades de técnicos de enfermagem,
mas, no fim, não foram contratados e aí mudou a prefeitura e começamos tudo de
novo” diz Raimundo Belmiro, presidente da Associação de Moradores da Resex do
Riozinho do Anfrísio.
O Secretário de Saúde de Altamira, Waldeci Maia, atribui a dificuldade em contratar os três enfermeiros à construção de Belo Monte. Segundo ele, muitos profissionais foram absorvidos pela obra. “É difícil encontrar profissionais qualificados e dispostos a morar em áreas isoladas, além disso, a prefeitura não consegue competir com os salários pagos pela Norte Energia”, explica.
“Estou elaborando uma
recomendação para as secretarias pedindo que as unidades que estão prontas nas
RESEX sejam instrumentalizadas imediatamente e essas populações parem de ser
brutalmente violentadas pela ausência de serviços públicos de saúde. Caso contrário,
vamos partir para a esfera criminal”, relata Thais Santi.
“UBSs implantadas com
técnicos de enfermagem são elementos importantes, mas são necessários outros
investimentos aliados a isso para garantir o mínimo de condições para atenção à
saúde dessas populações” diz Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Programa
Xingu do ISA.
Em 2012, foi aprovado no
comitê gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu
um projeto da prefeitura de Altamira para construção de duas novas UBSs e
recursos para logística de técnicos de enfermagem e resgate, além de recursos
para formação de extrativistas na área de saúde. O projeto é orçado em R$ 470
mil e está pronto para ser executado. Com um projeto da Associação de Moradores
do Riozinho do Anfrísio, aprovado pelo PDRS em 2012 e já executado, foram
compradas três voadeiras (barcos rápidos) para uso em casos de emergência nas
Resex.
Em 2010, na impossibilidade
de lidar com a complexidade da promoção da saúde para essa população, a
prefeitura de Altamira obteve recursos do Programa de compensação de
especificidades regionais do Ministério da Saúde para, a cada três ou quatro
meses, fazer resgates e enviar expedições com equipes de saúde.
Subsistema de saúde
“Mortes por picadas de
cobras, malária e câncer de colo de útero são frequentes na região e podem ser
evitadas com uma estrutura simplificada de saúde”, explica o médico Douglas
Rodrigues, que elaborou um diagnóstico de saúde nas Resex (leia o diagnóstico completo).
Um plano de ação foi
elaborado a partir do diagnóstico, juntamente com técnicos da prefeitura e
lideranças das comunidades locais. Ele sugere compra de voadeiras, contratação
de horas de voo para resgate, técnicos de enfermagem, enfermeiros, dentistas e outros
profissionais, além da aquisição de equipamentos para funcionamento das UBS que
já estão prontas. O diagnóstico sugere ainda a capacitação para a formação de
agentes de saúde locais.
Para Rodrigues, contratar
profissionais que permaneçam por muitos anos nessas regiões é uma tarefa quase
impossível de ser conseguida. Ele acredita que, no médio prazo, é possível
treinar a própria população local para promover a saúde. “Treinando agentes,
nós precisaríamos de apenas três enfermeiros (ou seis em rodízio, ficando três
meses no posto de saúde e três meses em Altamira), um dentista, um médico e um
enfermeiro realizando expedições a cada três meses em cada região”, sugere o
médico.
No dia 24 de abril, está
prevista em Altamira uma reunião para discutir a criação de um subsistema de
saúde para essas populações na região. Devem participar os governos federal,
estadual e municipal, além de representantes das associações das Resex,
Ministério Público Federal e organizações da sociedade civil.
“Esse subsistema deve considerar
as características da região, a situação de isolamento, o perfil das endemias
regionais e as características culturais dessas populações extrativistas, como
já acontece com os povos indígenas”, defende André Villas-Bôas, secretário
executivo do ISA.
Fonte: Instituto Socio-Ambiental
Leia também: Morte de menino por escorpião expõe isolamento de ribeirinhos - BBC/Uol